Texto extraído do livro "Almanaque do Futebol Maranhense Antigo: Pequenas Histórias" (2024):
O Maranhão, mais uma vez, viu a taça de campeão estadual ser perdida por fatores extracampo. O mais novo exemplo da garfada que a equipe atleticana sofreu veio na edição do Campeonato Maranhense de 1983. Inegavelmente o Moto Club, finalista daquele ano com o Glorioso, apresentava um forte elenco (Samuel; Bassi, Irineu, Hamilton Silva e Cabrera; Zé Carlos, Lutércio e Antônio Carlos Maranhense; Evandro, Zé Roberto e Cardosinho) e que lutava pelo tricampeonato. O Maranhão, contudo, tinha um forte plantel e que brigaria em iguais condições pelo título daquele ano. Infelizmente não combinaram isso nos bastidores.
Com uma fórmula de disputa muito complexa e tropeços pelo meio do caminho, Moto e Maranhão decidiram o emblemático estadual de 1983. A competição, aliás, foi marcada por verdadeiras armações, à vista de qualquer torcedor: o “acordo de cavalheiros” entre Sampaio e MAC, que jogaram uma partida com times completamente irregulares, com o total aval da F.M.D.; a marmelada no empate entre Moto e MAC para tirar o Sampaio da jogada no Segundo Turno; a incrível história do São José, onde o time lançou a campo torcedores e até um motorista de táxi para poder completar pelo menos o número regulamentar de “atletas” e assim poder entrar a campo na partida contra o Sampaio; na última rodada da fase final, a ajudinha dos bolivianos em favor dos maqueanos para tirar o tri do Papão.
Outro detalhe curioso que enriquece os anais do nosso futebol: na reta final do campeonato, o médico boliviano Milon Miranda queixou-se publicamente sobre o crescente número de macumbeiros dentro do time, o que teria prejudicado sensivelmente o rendimento da equipe em todos os jogos. O médico confessou-se assustado com o número de pais-de-santo que baixaram no Sampaio Corrêa, todos com a promessa de garantir o título ao Tricolor em troca de uma determinada remuneração. A influência era tão séria entre os atletas que muitos jogadores entraram a campo com um vidro por baixo do meião ou amarrado ao cadarço do calção. Esse vidro continha um líquido devidamente preparado por pais-de-santo.
Também vale ressaltar, a título de curiosidade, que foi pelas disputas do certame de 1983 que ocorreu a maior goleada da história do Estádio Castelão: na noite do dia 25 de agosto, o Sampaio venceu o São José pelo placar de 13 a 0, com cinco gols do ala Eduardo. Já o maior goleador em uma só partida do Castelão seria conhecido somente dali a quatro anos: Bacabal estabeleceu o recorde de gols em um único jogo, atuando pelo MAC - ele balançou as redes seis vezes na partida Maranhão 7x0 Tocantins, em 1987. Bacabal é o maior artilheiro também da história do Estádio Castelão, com 115 tentos (Zé Roberto, do Papão, configura-se ainda como o vice, com 101 gols).
Outro momento digno de nota (negativa, é claro) daquele ano verificou-se durante um Superclássico pelas finais do Segundo Turno: a comissão técnica do Sampaio Corrêa, sob o comando do treinador Brito, na tentativa de tirar Raimundinho de campo, reuniu os atletas na preleção e organizou uma forma de o meia motense, que arrebentava em campo naquele momento, deixar a partida. Evidente que o lateral Beato, irmão do craque, foi orientado a não participar da conversa, voltando a comissão técnica após tudo planejado e o reintegrando ao treino. Durante a partida, vencida pelo Moto por 1 a 0 (por ironia, gol de Raimundinho), um lance se desenvolvia na área do Papão quando o zagueiro Rosclin puxou do calção uma pomada chamada Terebentina (anestésico utilizado para o tratamento de dores musculares e contusões) e jogou um pouco nos olhos de Raimundinho, que em pânico começou a gritar para os seus companheiros, dizendo estar cego. Beato, nervoso, abandonou o banco do Papão e correu para ajudar o irmão. O jogo foi paralisado, o meia motense foi atendido, mas como nada foi comprovado contra o zagueiro boliviano, a partida prosseguiu. Rosclin ainda tentou apagar a prova do crime, esfregando as mãos contra o calção e na grama. Passou o restante da partida com um pouco de grama colada à mão.
Para entender um pouco da confusa competição, as duas equipes entraram a campo pela quinta rodada do Primeiro Turno. A partida, realizada no dia 17 de julho, terminou com a goleada dos rubro-negros pelo placar de 3 a 0 frente ao Maranhão. Contudo, o jogo foi devidamente anulado pelo TJD por conta de uma irregularidade: o zagueiro rubro-negro Ribas foi lançado a campo, apesar de o seu contrato ter sido devolvido à C.B.F. A F.M.D., por sua vez, forneceu o cartão de inscrição do atleta, o que, a priori, o tornaria legalizado para o jogo. O encontro entre motenses e maqueano foi anulado e o Papão somente não perdeu os pontos porque a culpa foi dividida entre a as duas federações. O Moto entrou a campo com Samuel; Bassi, Ribas, Irineu e Zequinha; Zé Carlos, Tião e Lutércio; Evandro, Sarará e Raimundinho. O MAC atuou com Juca Baleia; Mendes, Gonzaga, Tataco e Newton; Meinha, Tica e Hélio Rocha; Valter, Bacabal e Alberto. Alguns desses atletas, porém, não disputariam a grande decisão, dali a alguns meses.
Moto, Maranhão e Sampaio, campeões dos três turnos e beneficiados com 1 ponto pelas respectivas conquistas, chegaram à fase final da competição, que reuniu dez equipes e se arrastou por intermináveis seis meses. Na penúltima rodada na fase decisiva, o Papão venceu o Tricolor por 2 a 0, resultando na demissão, no intervalo da partida, do treinador Brito Ramos pelo Presidente Pedro Vasconcelos, por não aceitar ordens durante uma substituição. Após o jogo, houve um lamentável incidente entre torcedores, que culminou com uma briga generalizada no setor de arquibancadas e uma pessoa foi baleada na perna. Com a vitória, o Moto esperou de camarote um tropeço do Maranhão diante do mesmo Sampaio para colocar a mão na taça e festejar o tri. Com a completa desmotivação do elenco Tricolor, realmente ficaria difícil acreditar em uma reabilitação. O Maranhão acabou vencendo a partida pelo placar de 3 a 1, jogando um balde de água fria nas pretensões da torcida motorizada, que havia se programado para festejar pelas ruas o título. Porém, a rivalidade entre motenses e bolivianos falava mais alto e nem o mais otimista dirigente rubro-negro acreditava em uma vitória do Tricolor. O próprio médico do Papão, dr. Cassas de Lima, chegou a conceder várias entrevistas, afirmando que a decisão do estadual seria mesmo no dia 21 de dezembro, uma terça-feira à noite, quando da realização do jogo anulado em julho passado.
Como rubro-negros e maqueanos encerraram a fase final empatados com quatro pontos, decidiriam o título daquele ano em uma partida. Na verdade, seria a remarcação do jogo anulado pelo TJD. Através de telex, já que não foi possível um contato telefônico com o então presidente da CBF, Giulite Coutinho, o presidente da F.M.D., Domingos Leal, conseguiu a permissão para a realização do jogo nulo. A entidade máxima do nosso futebol, prevendo que alguns campeonatos estaduais não terminariam dentro do prazo, conseguiu junto ao CND, através do seu Presidente César Montagna, uma autorização para a realização do jogo, marcado para o dia 21. Para essa partida, o Maranhão, por possuir 47 pontos ao longo de todo o campeonato, entrava a campo com a vantagem de um simples empate para ser campeão. Ao Moto, que alcançou 45 pontos, apenas a vitória interessava, pois levaria a decisão para o segundo item do adendo feito ao regulamento, que apontava o maior número de vitórias em toda a competição (rubro-negros somavam 18 vitórias contra 17 dos atleticanos).
Moto e Maranhão realizariam a grande decisão com seus elencos totalmente desfalcados. Em função da lei que não permitia a utilização de jogadores que haviam sido legalizados em data posterior a do jogo anulado pelo TJD, os dois times entraram escalados somente com jogadores que tivessem condição de jogo até a data de 17 de julho, dia em que foi realizado o Maremoto anulado. Com isso, o MAC foi a equipe que mais sofreu modificações para a final – dos titulares, a defesa praticamente completa não atuaria (Fernando Lira, Ednaldo, Hércules e Ferreti, além dos atletas Clécio, Paulinho, Gadêlha e Alcino). No Papão, apenas dois efetivos não poderiam ser escalados: Giba e Antônio Carlos Paulista. Além deles, foram vetados Wilson, Ribas e Gil Lima. Os jogadores do Maranhão ainda tentaram uma manobra para que a partida não fosse realizada. Os atletas alegaram que, após a vitória sobre os bolivianos, ainda pela fase final, começaria o período das férias regulares. Ainda enviaram um oficio aos dirigentes, solicitando providências junto à F.M.D. O caso, evidentemente, não foi aceito.
Assim perfilaram as duas equipes diante de exatos 10.893 pagantes no Castelão, no dia 21 de dezembro: o Moto entrou a campo com Samuel; Bassi, Hamilton, Irineu e Cabrera; Zé Carlos, Lutércio e Antônio Carlos; Evandro, Zé Roberto e Cardosinho; o Maranhão, do treinador Eliéser Ramos, perfilou com Juca Baleia; Mendes, Vavá, Gonzaga e Ferreti; Tataco, Meinha e Riba; Valter, Bacabal e Hélio Rocha. Apesar dos desfalques, o Moto soube encarar com mais disposição e tirar proveito dos maqueanos, principalmente da fragilidade da sua improvisada defesa. Zé Roberto, aos 24 minutos de jogo, abriu o marcado, após boa arrancada de Evandro pela ponta direita, que tocou para Antônio Carlos cruzar para o artilheiro, livre, dominar e chutar sem chances para defesa de Juca Baleia. Na etapa final, o Papão diminuiu o ritmo e atuou no contra-ataque. E foi assim que nasceu o segundo gol, aos 8 minutos: Zé Roberto, em retribuição ao lance do primeiro gol, driblou o zagueiro Gonzaga, foi à linha de fundo e cruzou na medida para Antônio Carlos, de cabeça, fechar a conta. O Maranhão ainda desperdiçou uma cobrança de pênalti. Não era mesmo o dia do MAC, o campeonato já estava nas mãos do Moto Club.
E esse não seria o único título ‘garfado’ na década de 1980. Na decisão do título de 1987, o pesadelo voltou a se repetir, desta vez de forma ainda mais vergonhosa. Na partida decisiva da fase final do estadual, Sampaio e Maranhão entraram a campo com as seguintes formações: os bolivianos, treinado por Paraíba, perfilaram com Jorge; Luís Carlos, Rosclin, Ademilton e Ivanildo; Zé Carlos, Beato e Dias Pereira; China, César e Marco Antônio; o MAC, do técnico Garrinchinha, mandou a campo Juca Baleia; Serginho, João Luís, Eduardo e Neto; Batista, Tica e Daniel; Neco, Bacabal e Chiquinho.
Diante de mais de 11 mil torcedores, o Maranhão foi descaradamente prejudicado com três legítimos gols do centroavante Bacabal, mal anulados pelo bandeirinha. Três! O juiz Jackson da Silveira encerrou a partida quando o jogador atleticano Daniel estava coma bola dominada na área e pronto para chutar a gol. O Sampaio Corrêa jogava pelo empate para conquistar a taça e, curiosamente, a partida terminou em 0 a 0. Após o apito final, enquanto os jogadores bolivianos comemoravam o tetra, os atleticanos correram para cima do juiz, jogando as camisas em cima do árbitro.
No ano seguinte, na decisão de 1988, novamente bolivianos e atleticanos se enfrentaram. Empatados em número de pontos, as duas equipes se enfrentaram na última rodada, valendo o troféu daquele ano. A Bolívia do treinador José Dutra mandou a campo Luís Sérgio; Luís Carlos, Paulo Cesar, Ivanildo e Chiquinho; Zé Carlos, Orlando e Raimundinho; Ismael, Zé Cláudio e Marco Antônio; o Maranhão de Eliéser Ramos foi escalado com Juca Baleia; Alípio, Uberaba, Eduardo e Elzo; Tica, Neco e Nazário; Valter, Bacabal e Chiquinho. Escandalosamente, o árbitro paulista Romualdo Arppi Filho assinalou um pênalti em cima de Raimundinho Lopes, que visivelmente pulou, sendo que o goleiro Juca Baleia sequer havia tocado no meia motense. Pênalti convertido e novamente Sampaio Corrêa campeão.
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