Texto extraído do livro "Memória Rubro-Negra: de Moto Club a Eterno Papão do Norte":
Super Zé, Bionicão ou Pulmão de aço. Qualquer adjetivo serve perfeitamente para retratar um dos maiores ídolos da história do Moto Club, sobretudo na década de 1980. O alagoano José Roberto Severiano da Silva, nascido a 20 de Novembro de 1958, era um típico atacante de técnica razoável e pouca habilidade, mas compensava tudo isso com muita luta e um bom posicionamento em campo. E era um exímio goleador por natureza. Porém, sempre usou a sua principal arma: a finalização (não à toa, configura-se ainda hoje como o segundo maior goleador do Castelão, perdendo apenas para o também artilheiro Bacabal, ex-Maranhão, Sampaio Corrêa e Moto Club. Além disso, o jogador é o maior artilheiro dos Superclássicos, com 25 gols). Ele não primava pela inteligência, muitas das vezes tratava a bola com caneladas, mas sabia como pouquíssimos o caminho do gol.
O craque iniciou a sua carreira pelo amador do Bandeirantes, em 1978. Pelas suas grandes atuações, Zé foi convidado a fazer um teste no juvenil do CSA, passou e foi preparado durante um tempo para, futuramente, ingressar na equipe principal azulina. Recém-saído das divisões de base do CSA, já em 1979, Zé Roberto foi Campeão Alagoano logo no ano seguinte, 1980. Imediatamente foi para o Moto Clube, em 1981, aos 20 anos de idade, por intermédio do falecido Antônio Bento Cantanhede Farias, que o viu atuar nos gramados alagoanos e o indicou ao Papão. O jogador foi contratado para duas grandes missões: suprir a carência de gols do rubro-negro e virar ídolo. Cumpriu com maestria os dois objetivos e durante muito tempo foi o grande responsável pela alegria da torcida motense – e dor de cabeça para os adversários.
Zé Roberto, que desembarcou sozinho a São Luis, recebeu um grande apoio do então Presidente Sebastião Murad, que colocou à disposição do craque um apartamento. Rapidamente o atleta se adaptou à nossa cidade e chegou ao Moto como ponta-esquerda. Após oito gols em uma partida amistosa contra o Boa Vontade, mudou em definitivo a sua posição, passando a virar o centroavante raçudo e goleador que sempre foi. Bem ao estilo “Dadá Maravilha” de ser, o artilheiro declarou, em publicação de um jornal de grande circulação de São Luis: “Bem ou mal, de canela ou de barriga, importante é a bola no barbante”. Dono de um porte físico avantajado, Zé Roberto ficou conhecido, além do seu inquestionável faro de gol, pela raça e disposição com o qual entrava em campo – e principalmente enfrentava os adversários. Todas as pessoas entrevistadas para este livro foram unânimes em classificá-lo como um atleta de uma força descomunal, que somente era parado ou pela falta ou por alguém com um porte físico mais bem desenvolvido que o seu (o que era muito raro). Ele não era um jogador de velocidade; o corpanzil e as passadas largas ditavam o ritmo de jogo (e de gols) do artilheiro, que dificilmente era parado limpamente quando recebia a bola. No seu auge, Zé Roberto apresentava 85 quilos para o seu 1,82 e fazia o uso justamente do corpanzil e da força para vencer os zagueiros. Suas arrancadas em contragolpes, geralmente pelo setor esquerdo do campo, levavam sempre muito perigo ao gol e euforia nas arquibancadas. Porém, não conseguia ir longe se não tivesse alguém para tabelar com ele ou lançá-lo em profundidade. Por isso, encontrou em Raimundinho Lopes e Caio o trio ideal para o ataque rubro-negro.
Pelo Moto Club de São Luis, Zé Roberto estreou no dia 03 de Junho de 1981, em um jogo amistoso sem gols contra o Expressinho. Passou quase nove anos no clube e sempre deixou a sua marca de artilheiro, número comprovado em seus 280 gols (entre campeonatos e amistosos) pelo Papão (ele ainda teve passagem por Paysandu, América Mineiro, Sampaio Corrêa, Maranhão e, durante dois anos, pelo Abro Big, da Bélgica). Em uma pesquisa realizada pelo estatístico Manoel Martins, Zé Roberto chegou a nove anos de Moto perdendo em gols assinalados no Estadual apenas para os não menos artilheiros Pepê e Hamilton. E os números comprovam isso: Tricampeão Maranhense em 1981/82/83 e em 1989, Zé Roberto chegou à artilharia da competição em cinco oportunidades - marcou 14 gols em 1981; fez mais 13 gols em 1982; 11 em 1986; 8 em 1987; 13 em 1990 e 8 em 1991, seu último ano pelo Papão. Em 1989, o seu melhor aproveitamento: Zé Roberto balançou as redes nada menos do que 40 vezes em todas as competições que disputou naquele ano.
Apesar da fama de goleador, Zé Roberto chegou a passar algumas fases ruins pelo Papão. Em 1986, encerrou o ano com a incômoda marca de 11 gols assinalados. A fase eram tão crítica que a diretoria, na tentativa de evitar o Tri do Sampaio Corrêa, contratou algumas peças para o restante do Estadual daquele ano e que a torcida rubro-negra não tem saudades, como Biloca, Badú, Hulk, Sérgio Galocha e outros fracos atletas. Em 1987, outra decepção: apenas 8 gols no certamente maranhense. Em 1990, ao final dos dois primeiros turnos do Estadual, Zé Roberto havia balançado as redes em apenas sete oportunidades, número bem abaixo daquilo que era esperado. Para piorar, ele ainda foi reserva em função de uma contusão que o tirou dos gramados por quase um mês naquele ano. Quem pensa, porém, que Zé Roberto caiu em desgosto com a torcida quando atravessava fases ruins, engana-se. O Bionicão conseguiu sobreviver aos altos e baixos, sempre de bem com a torcida e reinando absoluto com a camisa nove do Papão. A torcida tinha por ele carinho e o idolatrava pelas suas famosas arrancadas com a bola; muitos chegavam a jogava dinheiro ao atleta, em pleno gramado, logo após o gol.
Algumas passagens do folclórico e eterno camisa 9 do Papão ficaram marcadas: em uma decisão entre Moto e SampaioT, o centroavante praticamente arrastou o finado zagueiro Rosclin, que lhe deu uma entrada forte com o bico da chuteira, resultando em uma costela quebrada. Zé Roberto, porém, sentiu as dores após o jogo. Em outra oportunidade, a sua dentadura caiu em plena partida no Municipal e ele a pegou assim mesmo, suja de grama e terra, e colocou na boa - e ainda fez o gol (de origem muito humilde em Alagoas, o jogador chegou ao Moto Club sem boa parte dos dentes). Questionados pela sua idoneidade quando das suas belíssimas atuações em campo, o jogador, como boa parte dos atletas da sua época, costumavam entrar a campo sob efeito de algum tipo de estimulante, talvez pela inocência ou desconhecimento dos métodos de treinamentos mais avançados (o jogador Jacozinho, quando da sua passagem pelo futebol maranhense em décadas passadas, afirmou publicamente que muitos atletas eram usuários até de maconha). Para fugir do antidoping, muitos atletas chegavam até a trocar a sua urina com a de outro jogador, para se livrar da punição. Zé Roberto, na maioria das vezes, não entrava a campo sob efeito de medicamente algum e arrebentava em campo. No jogo contra o Botafogo, no Rio de Janeiro, chamaram-no ao quarto e deram-lhe duas cibalenas (analgésico) escondidas em um pedaço de algodão, para ele tomar no vestiário do Maracanã. Zé Roberto jogou muito contra o Botafogo, reafirmando o efeito placebo do estimulante que ele usava.
No auge, o jogador chegou a ser procurado pro Botafogo e Santos, mas o Papão, por não possuir os direitos do atleta, que pertenciam ao CSA, não o liberou. A sua passagem pelo Papão acabou quando, durante o final da temporada e após receber os seus ordenados, o craque viajou em férias para a sua cidade Natal. Os dirigentes motenses, para espanto, deram entrevistas nas rádios comentando que o centroavante não fazia parte dos planos para o clube no ano seguinte. Quando Zé Retornou de Maceió, passou a treinar em separado do restante do elenco. Desmotivado e com a proposta do Presidente boliviano em leva-lo para vestir as cores do Tricolor, o eterno Bionicão, que tanto deu alegrias à torcida motorizada, vestiu a camisa do Sampaio Corrêa, em 1992, em uma transação envolvendo ainda a ida do atacante Bacabal para o Parque José Carlos Macieira. A torcida do rubro-negro, claro, não aceitou ver o seu maior ídolo vestindo a camisa do rival. Zé Roberto foi ainda campeão pelo Sampaio e pelo Maranhão, antes de encerrar, dali a poucos anos, a sua vitoriosa carreira como profissional (atualmente o craque trabalha nas divisões de base do CSA, com garotos na faixa etária dos 13 anos).
O momento de maior destaque e prova de amor ao clube, porém, ficou justamente após a sua saída do Papão, quando o clube pediu o afastamento das competições profissionais por tempo indeterminado, em 2010. Na época, o Sampaio Corrêa apresentava-se em Maceió, durante o Campeonato Brasileiro daquele ano. O centro das atenções da imprensa maranhense, contudo, ficou a cargo do ex-centroavante Zé Roberto, que se emocionou e foi às lágrimas ao saber que o Papão atravessava, naquele momento, em uma crise sem precedentes. Chorando, o eterno Bionicão enviou uma camisa autografada do Moto, vestida por ele em uma das muitas conquistas que ajudou o Papão brilhar. A camisa foi leiloada entre os torcedores durante uma festa no Lítero. Uma prova de amor àquele que, como poucos, foi em campo uma extensão do coração de cada torcedor rubro-negro nas arquibancadas.
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