terça-feira, 5 de março de 2024

Alencar, o "Canhão do Bode"

Alencar era daquele tipo de ponta-esquerda que todo treinador gostaria de ter no time hoje, como todas as modernidades introduzidas no treinamento de futebol. Habilidoso, técnico, responsável e cumpridor rigoroso do seu papel tático na equipe, tinha também um fôlego privilegiado e um talento nato: era preciso nos passes e lançamentos. Talvez tenha se espelhado na máquina que admirava, a do Santos de Pelé e companhia. Chegava a ser comparado a Pepe, famoso ponta santista que tinha o apelido de ‘O Canhão da Vila Belmiro’. Em outras ocasiões, pela forma com vinha buscar o jogo atrás, ou ainda quando ajudava na marcação do meio de campo, diziam que se assemelhava a Zagalo, do Botafogo e da Seleção Brasileira.

A história de Edson Alencar com o futebol começou e terminou em Coroatá, cidade a pouco mais de 300 km de São Luís. O pai dele, Oton Alencar Araripe, sempre foi apaixonado por futebol. Quando jovem, defendeu as cores do Vera Cruz, como zagueiro central. O filho Edson acompanhava o pai nos jogos e tomou gosto pela bola. Magrinho e com seus 13 anos de idade, Alencar estudava, mas não abria mão das peladas batidas à beira do Rio Itapecuru. Gostava de jogar no meio-campo ou ataque. Começou a se destacar e rapidamente já estava jogando no América de Coroatá.

Ao completar 16 anos, veio prestar exame para entrar na antiga Escola Técnica Federal do Maranhão (ETFM, atual IFMA). “Passei no exame e fiquei como interno da escola. Lá, os professores Braga e Rubem Goulart me viram jogar em uma das aulas de Educação Física e me convocaram para a seleção. A primeira disputa foi contra o Liceu, no Estádio Santa Izabel. Vencemos por 3 a 1, com dois gols meus. Muita gente me chamou para jogar em times amadores e eu acabei aceitando o convite do professor Micuin e fui para o São Paulo, do Bairro do João Paulo”.

Em uma preliminar de Moto x MAC pelo Campeonato Maranhense de 1958, Alencar estava lá. Após a partida, os dirigentes dos dois times foram conversar com ele. Como o professor Micuin era muito amigo de Nicolau Duailibe, não deu outra: Alencar acabou indo para o Bode Gregório, aos 17 anos de idade. Se tinha talento nato, quando ele chegou ao MAC, encontrou muita gente boa e um ambiente saudável para crescer. Jogavam Moacir Bueno, Valdeci, Adalpe, Juraci (goleiro), Haroldo (goleiro), Edson Moraes Rêgo, Joca, Jaime e outros. Como Alencar havia assinado como não-amador, de vez em quando ele dava uma escapulida de São Luís e ia defender o América, no clássico amador de Coroatá, contra o Bangu. Além dessas viagens, ele arrumava tempo para estudar e jogar futebol de salão no Rio Negro (ao lado de Pula-Pula) e no Elmo, de João Bento. A paixão mesmo, o futebol, ele ia pegando experiência e, aos poucos, conquistando a torcida, comissão técnica e dirigentes maqueanos. Durante muito tempo foi titular absoluto da ponta-esquerda. Quanto mais tempo passava, melhor ele ficava.

Quando Alencar lançava uma bola para alguém, pedia sempre para esse alguém não sair do lugar. A bola, como se medida milimetricamente, chegava aos pés de quem ele queria. Além de ser preciso, era frio em campo. Tinha um chute fortíssimo com a perna esquerda que amedrontava alguns goleiros. Os jogadores de defesas adversárias faziam de tudo para tirá-lo do sério, para se livrarem dele com uma expulsão. Não conseguiam.

O futebol começava a lhe dar fama, mas dinheiro que era bom, nada. De 1958 a 1965, defendeu o MAC. Foi campeão do Torneio Epitácio Cafeteira, Taça Cidade de São Luís e Torneio La Ravardiere. Em 1963 conquistou o Campeonato Estadual ao lado de uma das melhores formações do clube, que tinha Lunga; Neguinho, Clécio, Vareta e Moacir Bueno; Negão e Barrão; Valdeci, Wilson, Croinha e ele. Um time inesquecível, que jogava por música e prazer. Em 1965 a máquina atleticana conquistou o título do Torneio Maranhão/Piauí. Alencar estava em estado de graça. Tudo o que fazia dentro de campo dava certo. O Vitória, o Bahia, Fluminense (RJ) e outros times da região de interessaram pelo seu passe. O MAC não vendia sua joia, até porque podia ganhar dinheiro, mas ter outro igual para substituí-lo, seria muito difícil.

No início de 1966 as coisas não estavam bem financeiramente no MAC e a diretoria acabou aceitando a proposta feita pelo Fortaleza (CE) para ficar com o seu passe. Foram pagos Cr$ 6 milhões pela transferência. Para que tudo se concretizasse, Alencar abriu mão dos 15% que tinha direito e até dos salários atrasados no clube. Iniciou uma vida nova na capital cearense. Alencar viveu momentos mágicos por lá. Estreou contra o Ceará Sporting e venceu por 3 a 1. Além de marcar um dos gols, deu os passes para outros gols, de Birungueta e Croinha. Alencar ainda defendeu o Fortaleza durante três temporadas (1966/67/68). Os jogadores foram receber as faixas de campeão em 1967 jogando contra o Botafogo. Garrincha autografou de Alencar. “Tenho guardada até hoje com muito orgulho”, recorda.

Os tempos bons de Fortaleza foram embora com a chegada do técnico pernambucano conhecido como Caiçara. “Ele me sacaneou o que pôde. Não aguentei”. Com o passe preso ao Fortaleza, Alencar desembarcou em São Luís no início de 1969. Por conta própria, foi treinar no Moto Club. Por lá ficou apenas uma semana. Desiludido com o futebol, voltou para Coroatá. No interior, ele trabalhava e jogava no Santa Cruz nos finais de semana. Em 1970 casou-se, passou a ser técnico do Bangu, representante de Coroatá no Torneio Intermunicipal e, depois, parou definitivamente com a bola como profissional. O passe dele continua preso ao Fortaleza até hoje.

Nenhum comentário:

Postar um comentário