sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Nabor, do Papão do Norte para o Flamengo do Rio

Hoje, 05 de Outubro, eu tive a grata satisfação em ir, juntamente com o meu amigo Joaquim Aguiar, à casa do Nabor, ex-ídolo do Moto Club, entregar-lhe um troféu e um exemplar do livro do Moto. Nabor infelizmente não pôde comparecer ao evento de lançamento por conta de uma complicação da sua saúde. Hoje, quando fui entregar o livro e a lembrança simbólica, o ex-centrocavante chorou muito e agradeceu pela homenagem. Ainda perguntou pelos antigos colegas de Papão e ficou feliz e surpreso em saber do sucesso do lançamento do livro no dia 18 passado. Com quase 80 anos de idade, Nabor ainda mantém uma memória maravilhosa, com riqueza de detalhes sobre a sua infância e, sobretudo, a sua época como jogador de futebol profissional e treinador. Foi uma hora de visita que valeu muito apena, vou guardar pra sempre a imagem daquele senhor muito emocionado. Como homenagem a este dia, deixo aqui um texto* sobre a vida do grande artilheiro Nabor, além de algumas fotos do seu acervo pessoal.

* texto retirado do livro "Memória Rubro-Negra: de Moto Club a Eterno Papão do Norte" e adaptado com algumas informações extras

Quando desembarcou em São Luis, no início da década de 1950, pela estrada de ferro, o garoto tímido e muito habilidoso com a bola nos pés jamais imaginaria que um dia pudesse chegar longe, bem longe, até mais do que ele mesmo pudesse acreditar. Quando batia bola pelos campos de várzea em Caxias, interior do Maranhão, o pequeno futuro artilheiro do Papão do Norte compartilhava um sonho comum a todos os garotos da sua época, influenciados pelas transmissões via rádio dos jogos do Campeonato Carioca: jogar no Flamengo do Rio de Janeiro. Por conta das suas constantes escapadas para bater bola na rua, várias vezes foi castigado pela sua mãe, Vicência Silvia Santos. Porém, o sonho de virar um jogador profissional e, quem, um dia atuar pelo rubro-negro carioca jamais foi deixado de lado. Antes de mostrar todo o seu futebol nos gramados cariocas, o jovem Nabor presenteou a torcida do Moto Club de São Luis com o seu excelente futebol e gols, muitos gols... 
 
Nabor com a camisa do Moto Club

João Nabor dos Santos, segundo informações1, nasceu na cidade de Caxias, região do Meio-Norte, a 12 de Julho de 1934. De uma infância muito humilde e filho de uma família com mais três irmãos, aos 11 anos ele já trabalhava como funileiro na oficina do seu pai, seu Martiniano dos Santos (Nabor acredita que, por conta do precoce trabalho como soldador e sem nenhum tipo de proteção na época, hoje ele sofra as conseqüências, pois atualmente sofre com problemas na visão). O garoto fazia todo o serviço rapidamente para correr à sua paixão dos finais de tarde: bater bola no chamado campo da Liga de Caxias, onde atualmente há um ginásio no local. Os seus pais, contudo, reprovavam os chamados “divididos” dos quais o menino participava, pois ensejavam um futuro melhor para o garoto. Apesar de todo o esforço contra, não conseguiram e Nabor, aos 13 anos, já atuava por diversos clubes amadores de Caxias, como o Palmeiras, o seu primeiro clube, o Comercial, o Tamandaré (equipe do banco da cidade) e, por último, o Atenas, presidido por um “carcamano” chamado Alberto. Aos 14 anos, atuando pelo Palmeiras, Nabor jogou e venceu o River em Teresina (o Palmeiras caxiense foi o primeiro clube a jogar com camisas numeradas em Teresina). O time piauiense ainda lhe fez uma proposta, mas Nabor recusou por não querer morar em outra cidade (e essa recusa seria uma constante em sua carreira). Aos sábados, geralmente os times de da capital piauiense iam jogar em Caixas contra equipes locais, formadas pelo Cabo Celso, proprietário de uma sapataria. Foi ele, inclusive, que deu a primeira chuteira ao jovem Nabor, que quase sempre era pedido emprestado para compor elenco em algum clube caxiense, em troca de uma quantia em dinheiro, que já ajudava nas despesas de casa. 
 
Ao lado de companheiros no Papão do Norte

Em 1951, o Moto Club de São Luis desistiu das disputas do Campeonato Maranhense por conta da briga judicial envolvendo o atleta Merci, que estava duplamente registrado na FMD pelo Moto e pelo Sampaio Corrêa. Como o Tribunal de Justiça Desportiva deu ganho de saúda aos bolivianos, o rubro-negro desativou o seu departamento profissional e liberou todos os atletas. No ano seguinte, voltou atrás e estava organizando novamente o seu elenco, desta vez com atletas novos e pratas da casa. Nesse mesmo ano, 1952, segundo informações2, um amigo seu, que na época estudava no Colégio Marista, em São Luis, vivia assistindo aos treinos do Moto Club (por conta da proximidade da escola com a Fábrica Santa Isabel) e mantinha certa amizade com os dirigentes do clube motorizado. Confidenciou ao Presidente do Moto, o capitão Vandir, que em Caxias havia um garoto forte e muito bom de bola. Indicou, assim, o jovem Nabor, na época já com 16 anos, para jogar pelo Papão. Quando chegou à capital, em um sábado, Nabor encontrou Francisco Xavier Gomes Filho (Peru Branco), que o levou até o campo do Moto, na Fabril, para dormir. No dia seguinte, o Sargento Pereira pediu que o levassem para morar no Quartel do 24 BC, onde Nabor residiu por quase dois anos e passou a trabalhar com João Lélis, um dos fundadores do rubro-negro maranhense. Rapidamente passou a atuar pelo time interno do quartel. Em sua primeira apresentação, Nabor jogou muito, o suficiente para despertar ainda mais o interesse dos dirigentes rubro-negros pelo seu futebol. Nessa partida, inclusive, havia vários garotos de Caxias, vindo à capital para o alistamento Militar, e Nabor foi ovacionado pelos seus conterrâneos. 
 
 Nabor e Henrique, do Flamengo (RJ), em jogo do rubro-negro carioca pela cidade de São Luis, na década de 1950

Nabor foi convidar por César Aboud para trabalhar na Fábrica Santa Isabel, onde Gimico, Josafá, Baezão, Bacabal e outros também eram empregados. Muitos atletas do Moto, paralelamente, trabalhavam na fábrica. Essa era uma prática comum no clube, pois César fazia um contrato com os jogadores e oferecia um emprego na Santa Isabel para melhorar o ordenado. Na hora do treino, eles pegavam o material (camisas, calões, chuteiras, etc.) e iam pelos fundos da fábrica, pela chamada “Barreira”, ao campo. Nabor, que trabalhava como ajudante de fresagem, almoçava na casa de João Lélis e jantava no Quartel. Quem o levou para o time do Moto Club foi Salomão Mattar, que também trabalhava na fábrica e encarregou Fatiguê para realizar testes com o garoto. Nabor, que jogava como ponta-de-lança, vindo buscar a bola, via naquela oportunidade a chance em, um dia, jogar fora do Maranhão, em especial no Rio de Janeiro. Em 1953, o Vasco da Gama, na época com destaque para o goleiro Barbosa, goleiro titular do clube carioca e da Seleção, esteve em excursão por São Luis e venceu o Moto Club por 4x2 no Santa Isabel. Nabor jogou muito esse dia e fez um golaço de bicicleta. Augusto, ex-beque da Seleção Brasileira, era o treinador do Vasco e o convidou para ir ao Hotel Central, na Praça João Lisboa, onde o time carioca estava concentrado. César Aboud, porém, o proibiu (o amor do mandatário do Papão do Norte ao Flamengo carioca não deixou que Nabor assinasse com o Vasco). 
 
 Nabor, o terceiro da esquerda para a direita

Jogadores do Moto Club

No ano seguinte, em 1955, Nabor entrou para o Quartel e ganhou uma excelente forma física pelas sucessivas corridas diárias na corporação, ótima alimentação e boa noite de sono. E o sonho em atuar por um dos grandes do Rio de Janeiro começou a se transformar em realidade quando, no dia 21 de Abril daquele ano, segundo informações3, o Flamengo carioca esteve em excursão pelo Nordeste e passou pelo Maranhão para uma série de três partidas, duas contra o Moto Club e dois amistosos contra o Sampaio Corrêa (o time boliviano venceu uma por 3x2 e perdeu a outra por 2x0). Apesar da goleada sofrida (Flamengo 5x1 Moto Club), Nabor fez um golaço e realizou uma das suas melhores partidas pelo Papão da Fabril. No gol, Nabor driblou o zagueiro Walter e ameaçou dar um chute forte; deu um toquezinho e a bola entrou do lado esquerdo do arqueiro carioca. Nabor ainda brincou: “Pega essa, Anibal!”. O Sampaio o pediu emprestado para os jogos contra o time carioca e Nabor arrebentou novamente, apesar de não marcar pelo Tricolor. O Flamengo, nessa época treinado por Bria, era um timaço, formado por Anibal (goleiro), Marinho, Vicente e Esquerdinha. Bria ficou encantado pelo centroavante do Moto Club e conversou pessoalmente com o General Castelo Branco para a liberação do atacante motense das atividades no Quartel para ir excursionar com Flamengo. Até o treinador do Papão, Baiano, o incentivou a viajar. Castelo Branco pediu a baixa de Nabor no Quartel e o mandou para Fortaleza, para esperar a delegação do Flamengo, ainda em excursão pelo Nordeste. Foram duas semanas viajando com o rubro-negro carioca, em Maio de 1955. Logo na primeira partida, no dia 05 de Maio, em Sobral, o Flamengo goleou por 6x1 a Seleção local e Nabor fez dois gols e deu um passo para outro. Na partida seguinte, dia 08, domingo, Flamengo 3x2 Ceará. Mais um golaço de Nabor, que driblou o goleiro cearense e entrou com a bola no gol. Após as duas exibições, Nabor assinou o seu primeiro contrato como profissional pelo rubro-negro carioca, com um salário de C$ 5 mil e luvas de C$ 30 mil.

No Rio de Janeiro, Nabor não teve um bom aproveitamento nos treinos, por conta da dificuldade em adaptação. Logo nos primeiros meses no Flamengo, Nabor foi escalado para uma pré-temporada em São João Del Rey, interior de Minas Gerais. Em um amistoso na cidade, Nabor fez um dos gols da vitória por 3x0 contra um clube local. Nabor atuou pelo Campeonato Carioca de aspirantes e vivia rodando com o Flamengo pelo interior de Minas e Rio de Janeiro, já que não era aproveitado pelo elenco profissional (a categoria de aspirantes surgiu da necessidade dos clubes colocarem em ação seus atletas que ultrapassavam a idade para jogar no time juvenil e que ainda não tinham um espaço nos profissionais. Também jogavam nos aspirantes os profissionais que por algum motivo estavam impossibilitados de jogar no time principal Muitas vezes, na preliminar de um jogo pelo Campeonato Carioca, um jogador do time profissional, que, por exemplo, estava suspenso, jogava no time de aspirantes). O treinador nessa época era Fleitas Solich. Contratado pelo então recém-eleito Gilberto Cardoso e também conhecido como "O Feiticeiro", Fleitas Solich assumiu o Flamengo em 1953, que já tinha uma base formada pelo seu antecessor, Flávio Costa. Após uma fraca atuação contra os aspirantes do Vasco da Gama no Maracanã e ser vaiado pela torcida, Nabor sequer ficou para assistir a partida do time principal do Flamengo. Vicencio, ex-atleta do Bahia e que viu Nabor jogar contra o Americano de Campos, o convidou a ir jogar em Minas, já que ele era pouco aproveitado pelo time profissional do rubro-negro. Com o consenso da diretoria, Nabor assinou com o América Mineiro por C$ 15 mil, onde passou cerca de seis meses em Minas Gerais. Mau aproveitado também, Nabor decidiu voltar a São Luis (nesse momento, o América entraria em excursão pela Europa). Bria ainda queria mandá-lo para o Corinthians ou São Paulo, na época com Canhoteiro em seu elenco. Nabor, contudo, não voltou atrás na sua decisão e desembarcou na capital maranhense em 1957, encerrando assim a sua passagem pelo Sudeste do Brasil.
 
 Nabor pelo Papão do Norte

Quando retornou a São Luis, Nabor assinou novamente com o Moto Club. Em uma partida contra o Santa Cruz (PE), lesionou o joelho em um choque com o goleiro pernambucano. Nabor estava de viagem marcada para excursionar pelo Santa Cruz e acabou cancelando a sua viagem. O craque passou a atuar por empréstimo pelo Sampaio Corrêa e, mesmo ainda sentindo o joelho, enfrentou o Santos (SP), que esteve em excursão pelo Nordeste e realizou uma partida contra o time boliviano no dia 06 de Outubro de 1957. Os paulistas venceram os Tricolores por 2 a 1 com dois gols de um garoto que ainda não era o Rei do futebol e havia marcado apenas 46 gols em sua carreira. Desnecessário comentar sobre Pelé... Nessa partida, Nabor driblou toda a zaga santista e quase fez um golaço. Após o jogo, o treinador do Santos o convidou a viajar em excursão pelo time paulista, que iria rodar boa parte do Nordeste após a capital maranhense. Nabor recusou, por não querer sair de São Luis. Nessa época ele tinha apenas 22 anos e perdeu uma grande oportunidade em entrar no futebol paulista.

Após deixar o Moto Club em 1957, Nabor ainda passou pelo Ferroviário, onde foi Bicampeão Maranhense (1957/58) e Bicampeão da Taça Cidade de São Luis (1957/58). Retornou ao Papão em 1959, onde permaneceu até 1964. Ainda enfrentou o Flamengo, no dia 24 de Janeiro de 1960, quando o rubro-negro carioca jogou em São Luis e venceu o Moto Club por 2 a 1 no Nhozinho Santos. Nabor passou em branco nessa oportunidade contra o seu ex-clube. Pelo Ferrim, porém, Nabor fez o gol de empate contra o Flamengo (RJ), quando o clube estava em excursão pelo Nordeste e passou por São Luis, em Junho de 1959. Na oportunidade, o Ferroviário empatou com o clube carioca em 1 a 1, no Nhozinho Santos. Nabor fez muitos gols aproveitando cruzamentos certeiros do ala Baezinho e cada tento merecia um chamado “bicho extra”, oferecido por César Aboud. Era o chamado “gol ferrado”. Quando saiu do Moto Club, em 1964, Nabor foi jogar pelo Sampaio Corrêa. Após um ano de contrato com a Bolívia Querida, rodou por Ícaro e Graça Aranha, até encerrar a sua carreira, já em 1968. Alegou que o seu trabalho não estava rendendo o devido reconhecimento financeiro. Profissionalmente, Nabor atuou por Moto Club, Sampaio Corrêa, Ferroviário, Vitória do Mar, Flamengo (RJ), América (MG) e Seleção Maranhense. Após a carreira, passou a treinar, juntamente com outros ex-craques, como Alzimar e Neguinho, algumas escolinhas em São Luis, a pedido de Cláudio Ferreira, Secretário de Esportes e Lazer. Também foi treinador dos profissionais do Expressinho, Ferroviário, Vitória do Mar e de algumas seleções no Torneio Intermunicipal, como Viana, São Bento, Brejo e Anapurus (foi bicampeão pela Seleção de Viana). Aposentou-se pelo SESI, onde trabalhou como Recreador.

Morador há mais de 50 anos na mesma casa no Bairro do Monte Castelo, hoje Nabor desfruta da calma e do passado glorioso que construiu à base de muito futebol. Aposentado, o ex-ídolo rubro-negro passa boa parte do tempo na Praça Nossa Senhora da Conceição, no próprio Monte Castelo, colocando em dia o que mais gosta: conversar sobre futebol. Com a mesma simplicidade de quem por diversas vezes recusou sair de São Luis e construir uma carreira consolidada em outros centros desportivos, Nabor passa horas e horas conversando com amigos e desconhecidos sobre a sua trajetória pelos campos de São Luis e do Rio de Janeiro. O seu futebol pode não ter ido longo no Sudeste do Brasil, mas ele guarda na consciência o dever cumprido de quem fez muito pelo Moto Club e pelo futebol maranhense.

Um comentário:

  1. Esse referido jogo do vasco no maranhao aconteceu em 1954,e não em 1953.O time do vasco era um MISTAO,já que o time titular estava excursionando na Europa,como era de costume na época,antes do campeonato carioca.
    O time que veio ao maranhao era o seguinte:APARICIO,ISMAEL E ELIAS.OSVALDO II,ADESIO E CORONEL.PEDRO BALA,IEDO,VADINHO,NANINHO E HELIO.
    O time titular na época era:ERNANI,BELINE E FERNANDO FANTONI.MIRIM,DANILO E JORGE.SABARÁ,MANECA,ADEMIR,IPOJUCAN E DEJAIR.
    O jogo do vasco no maranhao não consta no almanaque do vasco lancado recentemente.So consta jogos do time titular.

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