Trecho do livro "Memória Rubro-Negra: de Moto Club a Eterno Papão do Norte"
Quando o chute forte de pé direito de Mael obrigou o goleiro Claudecir a fazer uma grande defesa, a bola sobrou livre, na frente do gol. O estreante Gil, com um simples toque, empurrou a bola para o fundo das redes, já ouvindo ao fundo os gritos dos mais de dez mil torcedores presentes ao Estádio Castelão. O Papão do Norte estreava no Brasileirão de 1996 com uma inesquecível goleada diante da pedra no sapato chamada Clube do Remo. Gil acabara de estrear e, de cara, já sentia a emoção em fazer um gol, o seu primeiro como profissional Georlan Gomes Bastos, carinhosamente conhecido pela torcida motorizada como Gil Matinha, em alusão à sua terra natal, virou o xodó da massa que acompanhou o Moto Club naquele Campeonato Brasileiro. O craque despontou cedo para o futebol e jamais imaginaria que um dia teria o seu nome gritado nas arquibancadas e tampouco se tornaria um dos grandes destaques de uma competição a nível nacional.
Filho de Anselmo Lindoso Bastos e Luzia Gomes Bastos, Gil nasceu em 23 de Agosto de 1979 e passou a infância inteira na cidade a qual adotou em seu sobrenome após ingressar nos gramados. De uma infância muito simples, o seu pai trabalhava como pedreiro para sustentar uma família numerosa (são seis irmãos por parte de pai e mãe e mais dois por parte de pai) e em sua casa faltava de tudo, desde um simples tênis até o material básico para os estudos. Apesar da grande dificuldade, Gil chegou a completar o ensino médio. Era no futebol, contudo, que o jovem vislumbrava algo melhor para o futuro, a exemplo de muitos garotos da sua época. E foi justamente no esporte que ele guarda as melhores recordações daquela difícil fase da vida: o seu pai sempre o levava para acompanhar os jogos da Seleção de Matinha ou do Guarani de seu Isaias, famoso desportista da cidade. Foi no campinho atrás da sua própria casa, porém, que Gil deu os primeiros passos no futebol. Por sorte do destino, esse mesmo campinho de várzea onde muitas vezes o garoto passava as tardes jogando futebol com os amigos, hoje o próprio Gil, um dos idealizadores, desenvolve um belo trabalho social na Escolinha Matinhense de Atletas (EMA), um projeto voltado ao futebol e que trabalha com mais de 200 alunos entre 6 e 17 anos.
A sua bagagem nos gramados antes de se profissionalizar foi grande: em 1995, o craque deu os primeiros passos no amador do Estrela Vermelha (do desportista Zeca Sabiá), o seu primeiro clube como atleta. Muito jovem e sem experiência, ele foi ganhando espaço aos poucos na equipe, entrando sempre no final das partidas. Em seguida, Gil atuou pelo Guarani Futebol Clube, de Paulinho e Quincas, e na Seleção de Penalva, de Luné e Bonifácio, em 1996. Dali para a base do Papão foi um pulo, intermediado por algumas pessoas que o próprio Gil faz questão de deixar registrado: Quincas, Rui e Carlos César (soldado da cidade de Matinha) e Eldo Roni (já falecido) foram as pessoas que conversaram com Edmar Cutrim, dirigente do rubro-negro. Deixando para trás a sua cidade, logo o craque ingressou nas categorias de base do Papão do Norte, em Maio de 1996, levado a São Luis por Walmir (hoje empresário de futebol). E a promoção para a equipe profissional não demorou muito: em apenas um mês Gil foi ascendeu à equipe principal do Moto Club através do professor Baezinho, ex-lateral do rubro-negro em outras épocas e responsável pela garotada da base. O treinador Tata necessitava com urgência de um atacante para as disputas da Série B de 1996. Pelas suas características de excelente posicionamento na área, boa finalização e chute forte, Tata não teve dúvidas e escalou o garoto. Gil, é claro, tremeu. O nervosismo, porém, foi passando à medida que ganhava confiança nos treinos e apoio da própria família e dos colegas de clube. Era a hora de estrear em um grande jogo, apesar de o craque já ter tido experiência durante algumas partidas sem expressão pelo Campeonato Maranhense de 1996, sob o comando do já falecido Rosclin.
E o atacante mostrou logo a que veio: em sua estreia, diante do Clube do Remo, uma excelente atuação ao lado de Mael, declaradamente o seu grande ídolo dentro do futebol. A afinada dupla deu muito trabalho à zaga adversária naquela brilhante campanha em 1996, levando o clube à oitava colocação naquele ano, a um passo de conseguir o tão sonhado acesso à elite do futebol nacional. Foi um ano incrível para o Moto e o futebol maranhense. O ambiente no Papão, sob os cuidados do então Presidente José Raimundo, era o melhor possível: sem salários atrasados e todo o respaldo necessário, o time era muito forte e unido, a torcida sempre incentivava nas arquibancadas e até nos treinamentos. Os jogadores mais experientes, como Naza e Bigu, sempre davam força para os mais novos. Durante a maravilhosa campanha, Gil Matinha foi o protagonista de dois momentos inesquecíveis para o clube: o primeiro, um golaço quase do “meio da rua” diante do Paysandu em pleno Castelão. Um gol que reafirmou o seu nome dentre os grandes destaques entre todos os 25 participantes daquela edição O outro momento ficou, digamos, inesquecível para os atletas: em uma cena totalmente inusitada na cidade de Olinda (PE), os atletas depararam-se com um hotel cheio de hóspedes do sexo feminino. Claro que todas estavam ali a pedido dos dirigentes do Santa Cruz, que enfrentaria o Moto no dia seguinte em Recife. Seguindo à risca o que havia sido acordado, as “hóspedes” dispararam em busca de um quarto... o mesmo onde estavam os jogadores: começaram a bater na porta para entrar e “animar” a noite dos atletas. Gil jura de pés junto que resistiu à tentação, mas teve jogador do elenco rubro-negro que não recusou o convite. E a noite ficou pequena.
Após a sua passagem pelo Papão, Gil Matinha foi negociado talvez para a maior furada da sua carreira: foi disputar a Copa São Paulo de Juniores pelo Santo André (SP), em um momento onde o craque crescia na carreira como profissional. Em seguida, foi emprestado durante oito meses ao São Paulo para outra grande furada: pouco aproveitado no elenco comandado por Muricy Ramalho, Gil acabou ingressando nos juniores da equipe após a saída do treinador e a entrada do Uruguai Darío Pereira, recém promovido da base. Foi ele quem o colocou nessa categoria do São Paulo e Gil passou a disputar apenas os campeonatos de juniores e aspirantes, antes de retornar em seguida ao Santo André. Na época, Gil não conseguiu se firmar na equipe do ABC Paulista e acabou emprestado ao modesto Esportiva de Guaratinguetá, clube da cidade paulista de Guaratinguetá que havia sido recentemente fundado e disputava a última divisão do futebol paulista. Gil ainda chegou a fazer testes no Flamengo (RJ); por conta de o seu empresário na época, Mauro, ter pedido um valor muito alto para a negociação, Gil acabou retornando ao Santo André e foi emprestado ao Vila Nova de Goiânia, já em 1999. O craque, mais uma vez, não conseguiu firmar-se em uma equipe e foi desligado do elenco – o Vila deu-lhe um cheque sem fundo e o craque passou quatro meses trabalhando na capital goiana. Foi uma fase bem difícil, aliás. De férias em Matinha, ficou esperando uma oportunidade para jogar no Remo. E não conseguiu. Acabou desempregado durante três meses.
No ano seguinte, o craque desembarcou na Europa com o sonho em se firmar em algum clube no exterior. Novamente não obteve sucesso: Levado pelo empresário Clóvis Dias, então Presidente do Americano da cidade de Bacabal, Gil chegou Agosto de 1999 à Espanha para um período de teste no modesto time do Hércules Club de Fútbol, da cidade de Alicante (Província de Alicante). O treinador da equipe, porém, o descartou por achá-lo com uma estatura muito baixa. Para a sorte do atleta, o Presidente do Lorca Deportiva Club Fútbol, da cidade de Lorca, observou o teste e o convidou para vestir, em Fevereiro de 2000, a camisa da sua equipe para as disputas da Segunda Divisão da Espanha, mediante um salário de 150 mil pesetas (o equivalente a R$ 4 mil) por seis meses. Por problemas extracampo, retornou ao Brasil e passou quase o ano inteiro de 2000 sem um clube, talvez a fase mais complicada na carreira do ex-atacante do Papão. Nesse meio tempo ainda chegou a treinar no Sampaio Corrêa. Somente não assinou com a equipe boliviana porque o Santo André não o liberou. Gil, então, ganhou na Justiça o passe (o clube paulista havia atrasado os salários e não depositou o FGTS do atleta).
Após um período afastado do futebol, Gil assinou com o Náutico de Recife, onde foi bicampeão pernambucano (2001/02). Participou da “Máquina Alvirrubra” de 2001 comandada pelos até então desconhecidos atacante Kuki e o treinador Muricy Ramalho. Era a inédita conquista no ano do Centenário do clube e a manutenção do luxo, também exclusivo de alvirrubros, de ser o único hexacampeão pernambucano. Durante o Brasileirão de 2001, o jogador era o artilheiro da equipe na competição, mas uma contusão de ligamento cruzado no joelho esquerdo, naquele momento, o prejudicou muito. Transferiu-se no segundo semestre de 2002 para o Sampaio Corrêa, que seria rebaixado à Terceira Divisão no Campeonato Brasileiro. A partir dai, Gil Matinha começou uma longa peregrinação por diversos clubes: São Bento (2003), River-PI (2004), Grupo Desportivo Estoril Praia, de Portugal (2004), Uniclinic-CE (2005), Potiguar-RN (2005), Comerciário-MA (2005), Santa Quitéria (2006/2007), Nacional-MA (2008) e São José de Ribamar (2009), até retornar e encerra a sua carreira pelo clube que o revelou, o Papão do Norte, em 2010. Antes disso, o jogador ainda teve uma breve passagem pelo IAPE, mas foi dispensado após um fato inusitado: por ter atuado pelo Atlético da cidade de Pinheiro em partida amistosa contra o Sampaio Corrêa, em Janeiro de 2010, Gil recebeu “bilhete azul” do Canário da Ilha. O jogador tinha permissão apenas para receber um dinheiro que o Atlético ainda lhe devia, mas não para jogar.
Aos 30 anos de idade, Gil Matinha voltou para o time onde tudo começou. Com um elenco bem mais modesto em relação àquele quando da sua primeira passagem, em 1996, Gil teve uma passagem bem mais discreta pelo Moto, onde marcou apenas um único gol durante toda a Copa União. Foi no dia 10 de Março de 2010 que o centroavante assinalou o seu último gol como profissional pelo Moto, na derrota de virada do Papão contra o Bacabal, no Correão. Gil aproveitou a falha da zaga do Becão e bateu no canto direito de Marco Aurélio, sem chances. O craque ainda disputou a apagada Segunda Divisão do Campeonato Maranhense no segundo semestre de 2010, defendendo as cores do Chapadinha. Apesar de levar o Galo da Chapada de volta à divisão principal do nosso futebol, as sucessivas contusões o atrapalhavam muito e o craque sentia que era hora de sair de cena. Encerrava-se ali a sua curta, vitoriosa e conturbada passagem pelos gramados. E com certeza a torcida motense sempre recordará as belíssimas atuações do craque naquele inesquecível Brasileiro. O acesso não veio, mas os seus dribles e gols ficarão para sempre guardados na memória de todos.
GOL DE GIL CONTRA P PAYSANDU, EM 1996