domingo, 27 de julho de 2025

Lecílio Estrela, mestre da arbitragem

 Na ESA, Lecílio, 19 anos, fazia parte das equipes de futebol e futsal
 
Texto extraído do jornal O Estado o Maranhão, de 28 de fevereiro de 2000

O garoto Sápio cresceu na Madre Deus, bairro tradicional da Ilha de São Luís. Escondido dos pais, passava a maior parte do dia jogando bola, pescando, fazendo bubuá, catando tanocas de bumba-boi e aprendendo a brigar. Era mesmo na rua, no meio da algazarra da molecada, que Lecílio Estrella se formava como cidadão.

Com orgulho e com o peito estufado, Lecílio lembra duas fases mais importantes da sua vida: o futebol e sua vivência na Madre Deus. A garotada que cresceu com ele sabia que ele era encrenqueiro, mas respeitado. Ele era bom de bola, brigador e conhecedor tático/técnico, filho de Raymundo Nogueira de Sá, a quem chamavam de Sapinho, e de Maria Estrella.

Lecílio conta que na rua São José sua vida de atleta sofreu influência de grandes jogadores de futebol do bairro: Henrique e Charuto, Dudu, Cacará, Tá Rindo, Misael, Josiel e Ribeiro Garfo de Pau.

“Na verdade, esses feras incentivaram não só a mim mas também a Bazinho, Lobato, Mazola, Macaco, Joca e tantos outros que jogaram profissionalmente”.

BRINCADEIRAS – Na época, meados de 1950, a garotada da Madre Deus não tinha muito o que aprender. Sentava em volta do grupo e o Sápio João Oliveira (boiadeiro que morava na praça São João, que fica em frente à igreja de São Pantaleão) e os pescadores contavam histórias de caçadas, de pesca, rinha de galo, campeonatos e, como não podia deixar de ser, falavam de futebol.

Era nesse clima de rivalidade e ousadia que o pequeno Lecílio dava suas cacetadas e formava sua personalidade. Ele não precisava de bola, jogava com tampinha de refrigerante, laranja, bola de meia e até com bola de borracha. Vontade de chutar era maior que ter bola. Nessa hora mostrava habilidade e conhecimento de causa. Jogava nas pontas ou no meio. Era ágil, debochado e corajoso. Se a pelada ou o jogo terminasse em briga, era “o máximo”!

Sabiá, cantor de bumba-boi e amigo de infância de Sápio conta uma passagem que retrata bem essa valentia: “O homem abusado. Só não tinha tamanho. Se não tivesse um tempinho, era encontrado participando de um duelar de partida de dominó, a desafiar a Neguinha Bruta que era a mais violenta do bairro. Pensei que ele fosse dar para esse lado. Mas que deu na bola! Massu Bruta sentia que o baixinho era atrevido demais e não tinha onde se andar”.

Liderados por Sabiá, o grupo de atletas da Madre Deus acabou fundando o Tupan Futebol Clube. Foi o primeiro clube de Lecílio. Era o início de uma história de sucesso no futebol.

EXÉRCITO – A família de Sápio nunca acreditou no futuro dele. Ninguém confiava que ele fosse chegar a profissional na bola. Laerte França, hoje advogado e professor, relembra que mesmo bom de bola e esperto Sápio somente passou a ser respeitado depois que passou a estudar na Escola de Sargentos das Armas – ESA. Ao concluir a unidade aos 19 anos, todos tinham certeza que Sápio não passaria mais vergonha.

Como era referência, Sápio passou com méritos e foi para Minas Gerais. Lá terminou os estudos, o sonho de ser atleta foi encerrado. Ele aceitou com resignação a carreira militar.

Na ESA, Lecílio passou a ser conhecido como Estrella. Lá decidiu os estudos, jogou pela Seleção da Infantaria nas equipes de futebol de campo, futsal e tênis de mesa. Estava com sua nota nas provas e no comportamento acima dos 100, o que o credenciava a ser utilizado como exemplo de comportamento e equilíbrio fora de parte dele.

No início da década de 1960, Estrella foi transferido para Belém/PA, onde ficou até meados de 1964. Lá jogou salão no Clube do Remo e no Yamada. No mesmo ano foi transferido para o Rio de Janeiro onde concluiu o curso de Educação Física da Escola de Educação Física do Exército e começou a trabalhar como técnico de futebol na Seleção Brasileira – Raul Carlesso – treinador de goleiros da Seleção Brasileira – jogou no Haroldo Castelo Branco e Linha Fina, destaques do futebol cearense.

O ÁRBITRO – Foi nesse período que Estrella voltou-se para a arbitragem de futebol. “Joguei por um bom nível, até decidi mudar de vida. Passei a estudar a parte técnica e a acompanhar os jogos com olhos de árbitro”, disse.

Recebeu cursos e foi aprovado na primeira categoria da Federação Carioca de Futebol.

Em 1968, o sargento Estrella trocou o Rio de Janeiro pelo 24º Batalhão de Caçadores/São Luís. Nos jogos internos e nas competições internas, lá estava o árbitro Lecílio. O coronel Edvaldo Santana, subcomandante da Unidade e vice-presidente da Federação Maranhense de Desportos – FMD, deu a oportunidade ao sargento Estrella de se profissionalizar como árbitro de futebol em sua terra.

“Foi nesse momento que o Maranhão conheceu Lecílio Estrella de Sá.” “Foi nesse instante que ele passou a ser conhecido.”

Lecílio se destacou nos campeonatos locais, regionais e interestaduais. Recebeu a chancela da Confederação Brasileira de Futebol – CBF, onde atuou por quase 10 anos.

APITO DE OURO – Em 1974 e 75, a Associação dos Cronistas e Dirigentes Esportivos do Maranhão – ACDM, presidido por Jâmens Calado, concedeu a Lecílio o cobiçado Apito de Ouro como melhor árbitro estadual.

“Lecílio mereceu essa homenagem. Corria de forma espetacular, como se estivesse flutuando em campo. Tinha o cuidado de acompanhar as jogadas de perto para não cometer enganos”, diz Jâmens.

Nesse período, requisitado para apitar em Castanhal/Pará, Lecílio deu uma de corajoso, o time da cidade enfrentava o Maranhão e somente a vitória faria se classificar. No último minuto de jogo, o zagueiro fez pênalti e o atacante do Maranhão partiu para a cobrança. Lecílio não teve dúvida e marcou. O estádio veio para cima dele. Foi protegido e tirado pelos soldados da PM, de costas, até sair de campo. Só depois de muita gritaria o jogo continuou.

Lecílio continuava firme na atuação, mesmo com o soco no estômago, dado por um torcedor. Zé Pequeno, do Jornal Pequeno escreveu: “Lecílio Estrella é o juiz de futebol mais justo da ilha”.

Em 1976, o exército transferiu Lecílio para Manaus/AM. Vinculou-se à Federação de Futebol do Amazonas, onde atuou nos campeonatos locais até 1979. No fim desse mesmo ano, aos 45 anos, Lecílio deixou de atuar como árbitro e foi para Belém/PA, já como técnico de futebol. Lecílio se decepcionou com a profissão e resolveu retornar a São Luís. Trabalhou na Secretaria de Esporte e Lazer do Governo do Estado até 1987.

Nesse período, foi vice-presidente da Comissão Estadual de Arbitragem e treinador de árbitros da Federação Maranhense de Futebol, mas acabou não apitando mais jogos por causa do acordo financeiro que havia com a Federação.

Lecílio voltou de forma definitiva para sua terra em 1987. Nesse ano encerrou a carreira de árbitro profissional de futebol de maneira gloriosa.

No Campo do Pioneiro, no Pacenibú/SP, com início do jogo Corinthians x Palmeiras, foi ovacionado por torcedores e seus auxiliares: Fernando Silva, Rogério Diniz e João Marcos.

Vários alunos e companheiros de arbitragem consideram a melhor homenagem ao Lecílio o nome dado à atualidade e seu sucessor.
 

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