Trecho extraído do livro "Almanaque do Futebol Maranhense Antigo: Clubes Menores da Capital"
O debut do Ícaro no Estadual começou de forma desorganizada já fora dos gramados. Por encontrar-se em litígio com a F.M.D., o Ícaro iniciou a sua participação no Campeonato Maranhense de 1963 apenas no Segundo Turno, quando a federação confirmou a não participação de Vitória do Mar e Graça Aranha (ambos licenciaram-se das suas atividades profissionais e abriram mão de jogar naquele ano), dando a vaga no certamente ao clube icariano. E, na época, a decisão em incluir o representante da Base Aérea foi criticada por parte da imprensa, que acreditava prevalecer a lei de acesso, onde o campeão da Segunda Divisão (amadora) passasse a figurar entre os clubes principais do nosso futebol. Problemas a parte, a campanha do time do Tirirical na elite foi praticamente pífia, exceto pela única vitória, diante do não menos fraco Nacional, equipe da rua de São Pantaleão.
Para o comando técnico, o presidente Sergio Faray (que formou carreira como árbitro) contratou Calazans para dirigir o que chamava de time dos imprestáveis, isso porque era formado por atletas renegados pelos grandes da capital. A estreia no certamente aconteceu no dia 16 de outubro, contra o Maranhão. O grupo era formado à base de jovens atletas e com a inclusão de alguns veteranos. Joãozinho, Cabeça, Walter, Serra, Chita, Reginaldo, Sapeca, Cabeça, Urânia, Esmagado, Juraci, Buranha, Cauby, Santana, China, Lua, Cocó e Pinagé, dentre outros, toparam vestir a camisa do representante do Tirirical e iniciar a sua jornada no Estadual diante dos atleticanos. Às vésperas do encontro de abertura do returno, o Ícaro ainda realizou um treino apronto de aproximadamente 80 minutos no campo da Base Aérea, com o grupo desenvolvendo boa velocidade e atirando constantemente a gol. Com a vitória tranquila dos titulares diante dos suplentes, a empolgação era geral no treino.
A euforia pelos bons resultados nos aprontos foi por água abaixo rapidamente quando o grupo pisou no gramado do Municipal para enfrentar o atual vice-campeão estadual. O Maranhão, treinado pelo não menos experiente Walber Penha, tinha um verdadeiro timaço: Lunga, Neguinho, Vareta, Clécio e Moacir Bueno; Negão e Barrão; Valdeci, Wilson, Croinha e Alencar. Essa era a forte base maqueana que colocou o representante do Tirirical de volta à realidade com a vitória pelo placar de 2 a 1, com o gol da vitória atleticana assinalado nos minutos finais.
Após previsível derrota diante de Moto e Sampaio Corrêa, a equipe se preparou para encerrar a sua participação na fase inicial do turno diante do também limitado Nacional, o famoso clube da rua do Norte. Em treino apronto no campo da Base Aérea e sob a supervisão do novo treinador João Ribeiro Lima, o atleta Marçal, pertencente ao Santana de Macapá, foi a grande atração do apronto. E a diretoria, a pedido do treinador, contratou o craque para o restante do certamente de 1963.
Marçal era o jogador mais caro do elenco e um dos poucos destaques da equipe. Ele morou durante onze anos no Território do Amapá, onde trabalhava e jogava futebol no Amapá Clube, equipe da capital que ainda atuava amadoristicamente nessa época. Marçal ainda foi para o Santana Esporte Clube, equipe pertencente à companhia norte-americana de mineração ícome, agora como quarto-zagueiro e por onde foi tricampeão (1960/61/62) estadual, curiosamente os seus únicos títulos como atleta. Retornou a São Luis após pedir indenização na companhia amapaense. Vale lembrar que, após abandonar a carreira como atleta, Marçal simplesmente virou o treinador mais vitorioso do nosso futebol, levando o Sampaio Corrêa ao título de campeão do Brasileirinho em 1972. Sobre a partida diante do Nacional, o Ícaro acabou vencendo pelo placar mínimo, com Durval anotando o gol que deu à equipe a honrosa penúltima colocação da fase – ao Nacional sobrou a lanterna geral do campeonato até então.
Foi reportado à imprensa que alguns jogadores chegaram a São Luis para reforçar a equipe do Ícaro para o restante do Estadual. Os atletas Leal e Ubiraci, ambos pertencentes ao futebol paraense (o primeiro vindo da equipe do Júlio César; o segundo, do aspirante do Yamada de Belém) desembarcaram pela VASP e logo iniciaram os treinos no Tirirical, perfilando, assim, como base para os jogos restantes: Nerval; Da Chagas, Terto, Juscelino e Nilton; Newton e Mundé; Nélio, Clóvis, Saldemar e Adalto.
Apesar do esforço da diretoria em organizar melhor o grupo para os seus últimos compromissos na competição, o Ícaro foi o coadjuvante de uma das cenas mais emblemáticas do futebol em nosso Estado. O campeonato de 1963, vencido pelo Maranhão, apresentou uma particular briga pela artilharia entre dois craques que dispensam apresentações: Hamilton Sadias, pelo Moto Club, e Croinha, pelo Maranhão. O inusitado fato aconteceu pelo returno. Empatados até então na artilharia da competição, com cinco gols cada, atleticanos e rubro-negros jogariam contra equipes tecnicamente fracas. No dia 08 de dezembro o Maranhão goleou o Nacional pelo placar de 10 a 0, com exatos cinco tentos de Croinha, que chegou à marca de 10 gols, isolando-se na artilharia. Uma semana depois, o Papão enfrentaria o Ícaro. Hamilton, goleador por natureza, foi anotando um gol atrás do outro. Só no primeiro tempo o placar já apontava 3 a 0 para o Moto. Os gols foram saindo e a torcida pediam: "Mais um, mais um!". E o craque marcava: dois, três, quatro, cinco... seis gols! O rubro-negro aplicou um sonoro 11 a 0, com seis gols do artilheiro paraense, que passou Croinha na artilharia (11 a 10). Hamilton ainda deixou o gramado desacordado após receber acidentalmente um soco do zagueiro Cabeça. E a titulo de curiosidade, o centroavante motense fechou a competição com a liderança isolada da artilharia, com 20 gols.
Após a elástica goleada sofrida pelo Moto Club e o definitivo desinteresse pelo restante da competição, o próprio Campeonato Maranhense daquele ano quase teve o seu andamento prejudicado. Os atletas do Maranhão deflagraram desde às zero horas do dia 18 de dezembro uma greve contra o atraso dos seus vencimentos. Alguns jogadores não puderam fazer suas refeições por falta de dinheiro e até mesmo pelo não fornecimento de comida pelo próprio clube, segundo noticiado à época pela imprensa. O movimento por muito pouco não paralisou totalmente o futebol em nossa capital, pois a intenção dos atletas de outras equipes era de prestar solidariedade aos atleticanos. Rapidamente a direção maqueana saldou o pagamento – e, claro, multou em 60% do salário os atletas grevistas.
Outro momento curioso durante as disputas do certamente daquele ano veio justamente no momento em que o próprio Ícaro já estava em vias de fechar a sua participação no Estadual. Em matéria publicada no jornal O Imparcial, datado de 04 de dezembro de 1963, A C.B.D. enviou um cabograma à F.M.D. informado que ainda não tinha conhecimento do ingresso do Ícaro na mentora, não pertencendo, portanto, a equipe à Confederação Brasileira de Desportos. A mesma emissora informava que isso aconteceu por que a F.M.D. não tinha enviado comunicação e a papelada para a C.B.D. sobre o ingresso do clube da Base Aérea em nossa federação desportiva. O caso, felizmente, foi brevemente solucionado e o Ícaro passou a constar como clube filiado às entidades local e nacional.
Em seu último compromisso no Estadual, mais uma vez o Ícaro se envolveu em um fato, no mínimo, curioso. A partida diante do Maranhão, realizada no dia 15 de janeiro de 1964, quase não aconteceu. Pelas fortes chuvas que caíam na capital e a falta de energia na Vila Passos, bairro do Estádio Municipal Nhozinho Santos, cogitou-se o cancelamento da partida. E a notícia percorreu a cidade, prejudicando ainda mais a presença do já desmotivado público para o encontro entre as duas equipes. E a cereja do bolo foi ainda mais atípica: o caso das camisas com a mesma cor usadas pelas duas equipes. O Maranhão rapidamente mudou o seu uniforme porque a sua sede era a mais próxima do estádio e um novo conjunto de uniformes foi logo providenciado. E assim foi iniciada a partida, com o MAC vencendo o jogo, de virada, pelo placar de 3 a 1.
Após os seus (fracos) compromissos pelo Campeonato Maranhense de 1963, a diretoria do clube da Base Aérea do Tirirical planejou uma excursão pelos gramados piauienses, seguindo inicialmente pela cidade de Parnaíba, onde o Ícaro havia acertado três jogos treinos. O registro da viagem e os prováveis placares, contudo, nunca foram encontrados em arquivos públicos.