sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Neguinho, o "Deus da Raça" - texto e áudio

Uma pequena homenagem do Blog Futebol Maranhense ao eterno xerifão Neguinho, popularmente conhecido pela sua fibra nos jogos e pela raça com a qual vestia a camisa da equipe que jogava. Deixo, a seguir, a entrevista que o ex-zagueiro deu para o Podcast "Memórias do Futebol Maranhense", falando sobre a sua vitoriosa carreira nos gramados maranhenses e, abaixo, um texto extraído do livro "Memória Rubro-negra: de Moto Club a Eterno Papão do Norte".

  
 Entrevista do ex-zagueiro Neguinho, dia 23 de Março de 2013

Neguinho ao lado dos craques Hamilton e Baezinho, durante o lançamento do livro do Moto Club, em Setembro de 2012

Na decisão do Campeonato Brasileiro da Segunda Divisão de 1972, o Sampaio Corrêa, após empatar com a Campinense (PB), decidiria a sua sorte nos pênaltis. Como as duas equipes entraram em um acordo e apenas um jogador cobraria as cinco penalidades, coube a um camisa número 3 da Bolívia Querida toda a responsabilidade para o momento talvez mais importante até aquele momento de toda a história do Tricolor. Os cinco pênaltis convertidos pelo lado maranhense e após a primeira cobrança errada dos paraibanos decretaram o início da festa boliviana no gramado do Nhozinho Santos. O responsável que carregou a equipe inteira naqueles cinco pênaltis? Neguinho, que recebeu da imprensa maranhense o sugestivo nome de “Deus da Raça”. Curiosamente, no ano seguinte, o mesmo Deus dos bolivianos foi do céu ao inferno ao errar a cobrança de pênalti que garantiu o rival Moto Club nas disputas do Brasileiro de 1973 (colocou tanta força na cobrança da penalidade que a bola simplesmente foi parar perto do monumento de Catulo da Paixão). Mas a raça descomunal daquele inesquecível zagueiro continuava – e a sua fama Nordeste afora também.

Quem vê Neguinho no alto dos seus mais de 70 anos e ainda na ativa no futebol (evidentemente não mais como profissional, mas defendendo o time da FUGAP, Fundação Garantia do Atleta Profissional), talvez possa ter uma idéia do porque o jogador pendurar a chuteira aos 46 anos. O corpo ainda atlético e a disposição herdada da época em que era profissional respondem a essa questão. Neguinho é um recordista dos gramados: entre amador e profissional, jogou por mais de 30 anos seguidos – e ainda hoje se mantém na ativa, entre peladas e jogos pela Fundação à qual é um dos responsáveis. O maranhense José Ribamar Santos nasceu e foi criado no Bairro do João Paulo, no dia 01 de Maio de 1940. Ainda garoto, teve o primeiro contato com a bola no próprio bairro, aos 16 anos, na Salina do Caratatiua (atrás do 24 BC da Polícia Militar). A influência pelo futebol veio de casa: o seu tio, Dico, foi goleiro do Vitória do Mar, Moto Club, Remo e Belenense do Pará; o seu pai, Bernardo, jogou no Tupan. O garoto não tinha um corpo muito avantajado para atuar na posição de lateral e esse pequeno detalhe foi o motivo do apelido que acompanhou para sempre: a sua mãe era dona de um comércio que vendia doces no João Paulo. Um civil chamado Paulo Fernandes “Jequiri” (goleiro do amador São Paulo, do Bairro do João Paulo) era freguês daquele estabelecimento e sempre brincava ao ver o garoto pelo comércio e pedia à mãe: “Me dê esse neguinho pra eu criar!”. Assim nasceu o “Neguinho” – e Paulo Fernandes se orgulhava em ter, indiretamente, dado esse apelido ao craque do nosso futebol.

Neguinho começou a sua carreira no amador jogando pelo Universal, do próprio Bairro do João Paulo, em 1954. O clube era organizado pelo desportista Adão, que recrutou alguns garotos do bairro para formar a agremiação. O Universal somente disputava jogos amistosos e Neguinho logo chamou a atenção pelas suas atuações, sobretudo pela lateral direita, pela falta da natural habilidade para um meio campista. Em seguida, recebeu um convite para atuar pelo Vasco da Gama do João Paulo, de propriedade de Bendito Fróes, um senhor que trabalhava na Prefeitura. O Vasco jogava no campo do Alto da Glória, onde hoje se situa a Unidade Escolar Sagarana, na Alemanha. Em seguida, a convite de China, Neguinho de transferiu para o Flamengo do Monte Castelo, para as disputas da Segunda Divisão do Campeonato Maranhense, em 1959. Nessa época, a Segunda Divisão era disputada no Santa Isabel e nos campos do Marista e da Escola Técnica (atual CEFET) e servia como porta de entrada para o futebol profissional. E foi isso o que aconteceu, segundo consta2: em 1961, durante um treino contra o Vitória do Mar, Neguinho acabou contratado pelo próprio time da Estiva (o Presidente e o vice do Vitória do Mar eram, respectivamente, Bonésio Silva Santos, da Madre Deus, e Ferreira. A concentração do clube acontecia no Sindicato dos Estivadores, perto do Palácio dos Leões). No clube, Neguinho assumiu a lateral direita na equipe formada por Bastos, Neguinho, Misael, Vareta, Correia, Valber, Zequinha, Cristóvão, Joãozinho, Pelezinho e Bodinho.

 Em 1963, após o clube da Estiva vender os seus principais jogadores, Neguinho foi para o Maranhão Atlético Clube, que passava por um jejum de 12 anos sem títulos. Junto com o lateral, o MAC também trouxe Vareta do Vitória do Mar e o Bode foi logo Campeão Maranhense daquele ano, ao bater o Moto Club por 6x2 na grande decisão. Assim era formado o Maranhão de 1963: Lunga; Neguinho, Negão, Cléssio e Moacir Bueno; Zuza e Barrão; Waldecy, Wilson, Croinha e Alencar. O Papão do Norte era formado pela base bicampeão de 1959/60, com Bacabal; Baezinho, Baezão, Omena e Português; Ananias e Laixinha; Zezico, Hamilton, Nasquinha, Nabor e Neto. No Maranhão, Neguinho até 1966. Quase transferiu-se para o futebol amazonense, mas foi vendido ao Moto Club.

Logo que chegou ao rubro-negro, Neguinho entrou também para a Polícia Militar, onde mantinha essa atividade paralela aos gramados. O Comandante da PM, o Coronel Medeiros, e o sub-comandante, o Coronel Riod, motenses apaixonados, sempre aliviavam para Neguinho poder treinar e jogar. No Papão do Norte, Neguinho viveu uma fase de ouro, conquistando o Tricampeonato Maranhense (1966/67/68) e o Título do Norte (1968). Neguinho sempre foi um guerreiro em campo; fora dele, era uma pessoal extremamente dócil e incapaz de fazer mal a alguém. Mas um momento inusitado marcou a carreira do grande capitão rubro-negro pelo Papão: no dia 25 de Junho de 1968, o Madureira do Rio de Janeiro apresentou-se em São Luis contra o Moto Club, em uma partida amistosa. O jogo seguia normalmente com a vitória dos cariocas pelo placar de 1x0. Miguel, centroavante do Madureira, deu uma entrada maldosa em Neguinho, que revidou. E o pau cantou no Nhozinho Santos. Uma briga generalizada em campo determinou o final da partida e a derrota (parcial) do Papão. No começo de 1969, quando o Moto Club esteve em Salvador para as disputas da fase final da Taça Brasil contra o Bahia, toda a comissão e atletas do clube maranhense rezavam na Igreja do Senhor do Bonfim quando alguns atletas avistaram Miguel ali perto. Receoso, o agora ex-atacante do Madureira passou longe da delegação do Moto. 

 Neguinho, o terceiro em pé, no Expressinho, em 1980

 No Maranhão Atlético Clube, em 1965

 No Moto Club, em 1969. Neguinho é o primeiro em pé

Em sua primeira passagem pelo Moto, o craque teve duas grandes decepções: após jogar e perder duas vezes em Salvador, pela Taça Brasil, Neguinho teve o seu passe negado pela diretoria ao Vitória da Bahia. Em seguida, já no final do seu contrato pelo Moto, o rubro-negro não deu preferência ao seu passe e ao de Carlos Alberto, configurando-se em uma grande repercussão na época (em 1969, o grupo Aboud começou a entrar em falência, motivo pelo qual César deixou de apoiar maciçamente o Moto). Neguinho conseguiu o passe livre e rumou, junto com Carlos Alberto, para o Ferroviário.
No Ferrim, ele formou a chamada defesa “Esquadrão da morte”, com Marcial (goleiro), Neguinho, Alzimar, Vivico e Antônio Carlos. Foram apenas dois anos no clube da ferrovia e um vice-campeonato (1969). Para piorar, Neguinho sofreu uma fratura exposta no braço direito em uma partida contra o Moto Club, ficando afastado dos gramados por um bom tempo. Voltou a atuar em 1972 pelo Sampaio Corrêa, a pedido do treinador Marçal, que organizava um elenco forte para as disputas do Brasileirinho daquele ano. Com 32 anos de idade e sem a mesma vitalidade, Neguinho acabou deslocado para a zaga central. A imprensa reclamava do elenco Tricolor, composto por seis zagueiros. Além de desbancar os concorrentes, Neguinho calou a boca daqueles que o consideravam acabado para o futebol: literalmente levou o Sampaio Corrêa ao título de Campeão Brasileiro naquele ano, após realizar e converter todas as cinco cobranças de pênaltis na grande decisão.

Em 1973, o Sampaio Corrêa, com um elenco cheio de craques, incrivelmente perdeu a vaga para o Brasileiro para o Moto Club, após uma série de três partidas. Com a desclassificação do Sampaio, Djalma Campos recusou-se a ir para o Moto por tomar de conta do time boliviano, que paralisou as suas atividades profissionais por um ano e passou a realizar amistosos pelo interior do Maranhão. Neguinho e Gojoba, contudo, assinaram com o Papão e disputaram o Campeonato Brasileiro daquele ano. Ficou no rubro-negro até 1977, antes mesmo de o clube chegar ao título daquele ano. Porém, uma passagem interessante do atleta em sua segunda passagem pelo rubro-negro ficou por conta da grande decisão do Campeonato Maranhense de 19743, onde o Moto Club foi o campeão: segundo informações4, na véspera da grande decisão contra o Maranhão, o goleiro Edson, que veio do Flamengo-PI, passou a madrugada toda na farra (nessa época, o Moto concentrava na famosa Toca do Rato). Neguinho, capitão do time e disciplinador, o entregou ao treinador Marçal, alegando que Edson não tinha condições de atuar por conta do cansaço físico (leia-se “farra”). Edson foi vetado e em seu lugar atuou Claudinei, goleiro cearense que não tinha muita chance no Moto. Foi a sua consagração. Nessa decisão, vencida pelo Papão do Norte por 2x0, assim atuou o time rubro-negro: Claudinei; Ivan, Neguinho, Sérgio e Antônio Carlos; Gojoba, Soares e Santana; Lima, Paraíba e Coelho.

Neguinho resolveu parar por um tempo como atleta profissional. Empregou-se na empresa da Coca-Cola, em 1977, onde foi enviado à Bahia para um curso de três meses. Em uma pelada em Salvador, gostaram tanto do futebol dele que o convidaram a atuar pelo... O amor aos gramados falou mais alto e, no ano seguinte, Neguinho pediu as contas e assinou com o modesto Expressinho do Bairro da Cohab. Já com 41 anos, o craque pegou a todos de surpresa ao ser contratado pelo Moto Club, a sua terceira passagem pelo Papão. Formou a zaga com Alex, veterano do América (RJ), e Moacir Pernambucano. Neguinho com 40, Alex com 40 e Moacir com 37 anos, esse era o motivo de gozação da torcida adversária e até da própria imprensa, que costumava provocar dizendo que a zaga do Moto tinha 100 anos. E novamente Neguinho calou a boca de todos ao conquistar o bicampeão (1981/82) ao lado de grandes craques: Samuel; Bassi, Irineu, Hamilton e Cabrera; Zé Carlos, Lutércio e Antônio Carlos Maranhense; Evandro, Zé Roberto e Cardosinho. Outra formação desse período foi Samuel; Bassi, Paulo Roberto, Moacir Pernambucano e Zequinha; Tião, Lutércio e Raimundinho; Newton, Gil Lima e Zé Roberto.

 Despedida na inauguração do Estádio Castelão, em 1982

Neguinho dando a volta Olímpica em sua despedida no Castelão, em 1982

O “Deus da Raça” encerrou a sua carreira pelo rubro-negro em 1982, no “Torneio do Trabalhador”, competição de abertura do Estádio Castelão, um dia antes do jogo inaugural entre as Seleções do Brasil e Portugal. No jogo, realizado no dia 01 de Maio de 1982, o Moto Club perdeu para o Expressinho por 1 a 0 – no time da Cohab, treinado pelo experiente Ananias, despontavam o goleiro Juca Baleia e a grande revelação Newton, que brilhou no Campeonato Brasileiro de 82 pelo Papão do Norte. Neguinho foi substituído por Cabrera e deu a tradicional volta olímpica, sendo ovacionado pelo público maranhense, que o via abandonar os gramados aos 42 anos de idade. Abandonar? Três meses longe dos gramados fizeram o eterno xerifão do Moto repensar. Neguinho voltou a atuar, desta vez pelo Boa Vontade, onde jogou ainda por 6 anos. Parou oficialmente em 1986, os 46 anos de idade, passando a realizar jogos festivos e atuar pela FUGAP. Ainda trabalhou pelas Seleções de Pinheiro e Penalva no Torneio Intermunicipal.

Realizado profissionalmente, o jogador guarda apenas uma única mágoa em toda a sua carreira: não ter enfrentado Pelé. No dia 05 de Novembro de 1967, o Santos de Carlos Alberto, Pelé, Coutinho e Edu realizou um amistoso contra a Seleção Maranhense. Na época, Pelé, já consagrado nos gramados, foi recebido no Palácio dos Leões pelo então Governador do Maranhão, José Sarney, que chegou a afirmar: “Vim ver o Santos jogar e vi a Seleção Maranhense”. O Rei do futebol ainda recebeu da FMF um Jubileu de Ouro, troféu em homenagem aos serviços prestados ao futebol nacional. Neguinho, o maior lateral-direito do nosso futebol nessa época, foi relacionado, ficou no banco e, mesmo com o incessante pedido da torcida presente, o treinador Ênio Silva não o colocou a campo. A nossa Seleção perdeu o jogo pelo placar de 1 a 0, com a seguinte formação: Manguito; Paulo (Nivaldo), Alzimar, Alvin da Guia e Corrêa; Nélio (Carlos Alberto) e Barrão (Santana); Garrinchinha, Izaac, Cândido (Américo) e Pelezinho. Segundo informações6, após o amistoso, Neguinho foi receber o dinheiro pela sua escalação na partida no Hotel Central. Ali, o jogador soube o motivo pela qual o treinador Ênio não o lançou a campo contra o Santos de Pelé: ele não entrou a campo por ordens do Governo, conhecedor da fama do atleta pelo Nordeste, temeroso por Neguinho machucar o Rei Pelé, prestes a disputar a Copa do Mundo de 70, em alguma jogada maldosa.

Todos os adjetivos parecem pouco para aquele que dedicou toda uma vida pelos gramados de São Luis. Não à toa, Neguinho ainda hoje é reconhecido pelos torcedores mais antigos pela sua incansável disposição e raça nos campos. Abandonou a carreira como profissional, mas deixou às futuras gerações um belíssimo exemplo de dedicação e vitalidade. “Deus da Raça”, “Lampião” (não respeitava o adversário), “Xerife” (apelido dado pelo radialista Juracy Vieira)... Todos por merecimento!
 
 Neguinho com a camisa do MAC, em 1961

 O primeiro jogador em pé, Neguinho com a camisa do Papão do Norte em 1977

 No Moto Club Campeão da Taça Brasil Norte, em 1968

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