quinta-feira, 22 de maio de 2025

Moto Club de São Luís, campeão maranhense de 1966


Texto extraído do livro "Memória Rubro-Negra: de Moto Club a Eterno Papão do Norte"

A década de 1960 começou em baixa para o Papão. Após o título de 1960, a equipe amargou exatos seis anos sem uma conquista. Para piorar, ainda viu o seu maior adversário, o Sampaio Corrêa, chegar a dois bicampeonatos em um curto espaço de cinco anos: 1961/92 e 1965/65. O título, àquelas alturas, era questão de honra para o rubro-negro, que passou a trabalhar mais seriamente em busca da quebra do jejum de títulos e evitar que o Tricolor chegasse ao seu tricampeonato estadual em 1966. As partidas do Estadual daquele ano ocorriam entre os estádios Nhozinho Santos e o Santa Isabel. O gramado deste último, aliás, era um pesadelo para qualquer jogador: muita areia e pedra e pouco gramado. O campo era tão ruim que, no dia 20 de Junho de 1966, após um dia inteiro de chuva em São Luis, o jogo Flamengo 2x2 Combinado Maranhão/Moto quase foi transferido do para o Nhozinho Santos, por conta das péssimas condições do gramado.

Já nessa década, os clubes mantinham uma maior tradição em apostar na chamada divisão de base, apesar de todas as dificuldades, sobretudo pelos anos de 60 e 70. Nesse tempo, os jogos dos chamados juvenis aconteciam nas preliminares dos jogos do Campeonato Maranhense e o torcedor passava a conhecer alguns bons atletas que despontavam da base. Por isso, quando alguma revelação era integrada ao elenco profissional, já recebia o imediato apoio do torcedor, que o conhecia das preliminares que ocorriam geralmente às 14h00 no Nhozinho Santos ou no antigo Santa Isabel. Raramente havia indicação; geralmente os atletas dos juvenis se apresentavam aos clubes e não recebiam nenhum tipo de ajuda para treinar (recebiam apenas gratificações em caso de título). Havia o Campeonato Maranhense da chamada categoria sub-23 e os jogos eram realizado sempre na preliminar aos jogos dos profissionais. Os clubes pequenos não tinham os seus representantes e os chamados grandes dispunham de equipes para as competições. Havia ainda outros clubes nessa competição, como Vitória do Mar, Graça Aranha, Santos, do Desterro, entre outros. No Santos, por exemplo, jogaram Djalma, João Bala e Santana, que passaram pelo Moto Club na década de 1960. Pelo Sampaio, foram revelados, dentre outros craques, Djalma Campos, Cadinho, João Bala, Pompeu, Nivaldo, Heraldo, Fifi, Zé Oswaldo, Maioba, Antônio.

Em 1966, quando o Presidente do Papão do Norte era Alexandre Fracis, os atletas do Moto Club já se concentravam embaixo das arquibancadas do Estádio Santa Isabel, em um salão grande com as camas e os banheiros devidamente preparados para alojar os atletas que vinham de outros Estados. Os jogadores locais residiam em suas próprias casas, diminuindo assim as despesas do Papão. Segundo relato1, em dias de jogos no Estádio Nhozinho Santos, os jogadores iam a pé do alojamento no Santa Isabel ao estádio da Vila Passos. Em jogos maiores, como clássicos e partidas por torneios nacionais, o elenco se concentrava em outros locais, como o Hotel Ribeirão (defronte da Ponte do São Francisco), o Hotel Maranhense (Rua Afonso Pena), o Hotel no Olho D´água, entre outros locais. Também se concentravam no Hotel Serra Negra, que localizava-se defronte do Banco do Estado, na Praça João Lisboa. Em jogo pequeno, dificilmente havia concentração. Se o jogo fosse domingo, todos se reuniam no próprio domingo pela manhã e seguiam para o jogo. Em partidas maiores, eles se concentravam em hotéis. César Abou era um dos conselheiros e o clube estava em uma situação difícil, mas mesmo assim contratou diversos atletas, como uma leva vinda de Recife (Paulo, Chico, Geraldo, Pelezinho, todos vindo do futebol pernambucano).

Para o cargo de treinador, a diretoria trouxe o experiente Rinaldi Lassalvia Lauleta Maia, famoso por não gostava de interrupções em seu trabalho, sobretudo da diretoria. Disciplinador e que exigia no trabalho uma postura séria e comprometedora dos atletas, era daquele típico treinador pontual, disciplinado e que sempre cumpria com os seus horários. Segundo informção2, Já chegava devidamente arrumado aos treinos, de tênis e moletom. O time do Moto treinava cedo no Santa Isabel e Rinaldi sempre dizia a jogador que chegava atrasado: “se você quer me matar, quando faltar cinco minutos pras nove horas da manha, aponte ali pro portão do estádio e puxe o gatilho, pois eu estou entrando nesse exato momento!”, numa demonstração de pontualidade. Certa vez César Aboud, das tribunas de honra do Santa Isabel, ordenou-lhe que escalasse tal jogador. Rinaldi sacou outro jogador e deixou o referido atleta em campo. Quando César foi cobrar o treinador, Rinaldi foi categórico: “Pode vir sentar aqui e escale o time!”, retirando-se em seguida do treino. Esse era o jeito disciplinado de Rinaldi. 

A base salarial desse time era entre C$ 80 a 100 mil (o maior salário pertencia ao jogador Pelezinho, que recebia C$ 300 mil). As condições de trabalho eram precárias, com material de treino velho e usado, campo de treino em péssimas, etc. Os próprios jogadores reivindicaram melhores condições de trabalho, o que foi aceito pela diretoria, que comprou novos materiais para treino e jogos e melhorou a parte física do campo de treino. Segundo informações3, César Abou era um Presidente que sempre honrava os seus compromissos com o Moto Club. A sua palavra era uma lei, o que ele dizia, era para ser cumprido. Quando prometia uma data para os jogadores receberem os seus salários, era certeza sair o pagamento no dia estipulado e os atletas iam tranquilamente receber com o tesoureiro do Moto (seu Sousa, que trabalhava na Polícia). Caso não pagasse, Rinaldi Maia era o primeiro a reivindicar o pagamento aos atletas e não treinava enquanto não fossem pagos os vencimentos. Quando este funcionário do Papão não honrava o compromisso, César o mandava chamar e, após agir de forma enérgica, no outro dia o tesoureiro fazia o pagamento. Porém, ele era um Presidente que não tinha muito contato com os atletas, meio “ditador”: quando algum atleta queria com ele, por exemplo, Brito, ex-goleiro do Sampaio e Moto e que agora trabalhava na direção do rubro-negro, era o chamado emissor. Após recado de Brito, César autorizava ou não o jogador a ir conversar. César, em mais uma demonstração de ditadura, por exemplo, em 1969 ele obrigou Pelezinho, Carlos Alberto e Zezico, todos moradores no Anil, a chegarem às 6 horas no Santa Isabel para treinar. Os três saíam às 4 e meia de casa para chegar no horário e às vezes se atrasavam, por conta da dificuldade de transporte público naquele tempo (o bonde, pro exemplo, já não mais existia em 1969).

O elenco rubro-negro foi organizado aos poucos, inclusive aproveitando o Campeonato Maranhense de 1965, para ajustes dos atletas e dos novos contratados. Para 1966, a base do Papão do Norte era formada pelos seguintes atletas: Vila Nova (goleiro): o carioca, que veio do Rio de Janeiro na mesma leva de Garrinchinha, Alvim da Guia e Rubens, foi considerado um dos melhores goleiros que já passou pelo Moto Club, de onde saiu direto para jogar no Clube do Remo, sendo titular absoluto entre 1964 e 1967. Era o típico goleiro que passava confiança aos demais jogadores do elenco, por sua postura em campo e segurança; Paulo (lateral-direito): veio do futebol alagoano pelo Diretor de esportes Salomão Mata. Chutava muito forte e tinha total domínio e segurança na defesa do rubro-negro; Alzimar (zagueiro): grande revelação no Moto, subiu para os profissionais direto do sub-23 do Papão. Só não fez fama fora do futebol maranhense por conta de uma lesão crônica no joelho; Alvim da Guia (zagueiro-esquerdo): o carioca, que era primo de Ademir da Guia e filho de Domingos da Guia, ambos ídolos no Palmeiras, veio ao Moto Club por intermédio de César Aboud. Jogava no Madureira e veio para o Moto Club por indicação de um olheiro no Moto no Rio de Janeiro; Correa (lateral): maranhense de São José de Ribamar, apoiava e marcava, logo sendo apelidado de “carrapato”, justamente por essas características. Veio do Vitória do Mar para o Moto; Ronaldo (volante): mineiro de São João Nepomuceno, passou por um tempo na reserva de Gojoba e só assumiu a titularidade após a sua saída para o Sport (PE). Boatos na época contavam que Ronaldo, por ter um envolvimento com a filha do velho Mariceu, não assumiu compromisso e acabou se separando. Supostamente, a avó de Mariceu fez um “trabalho” para Ronaldo, que em fim de carreira virou alcoólatra, mendigando pela cidade e morreu na miséria, no Canto da Fabril. O Moto não deu a mínima assistência e o pessoal da ACLEM fez o enterro do atleta, no Cemitério do Gavião; Ananias (meia-esquerda): era o “maestro” no meio de campo do Papão, com passagens por Bahia e Fortaleza. Era o mais experiente do elenco, abandonou o futebol em 1967, após ficar na reserva de Santana); Zezico (ponta-direita e centroavante maranhense de Morros, foi revelado em peladas no Bairro do Anil; Nabor (ponta-esquerda): maranhense de Caxias, com passagem pelo Flamengo (RJ); Pelezinho (atacante): maranhense revelado no Bairro do Anil; Hamilton (atacante): paraense, dispensa apresentações.

No Campeonato Maranhense de 1966, a única equipe que media forças em com o Moto iguais condições era o Maranhão Atlético Clube. O MAC, aliás, fez uma excelente temporada naquele ano, vencendo o Torneio Início e sagrando-se bicampeão da Taça Cidade de São Luis. O seu quadro de aspirantes foi ainda vice-campeão do Torneio Início em 1966. Sobre o Moto Club, depois um início de campeonato marcado por grandes goleadas, como os 9x1 na estréia, contra o Vitória do Mar, e os 10x0 frente ao Nacional, o rubro-negro conseguiu o titulo máximo do nosso futebol com uma brilhante vitória sobre o Maranhão Atlético, pelo marcador de 3x1, em um disputado jogo no Estádio Municipal Nhozinho Santos, dia 16 de Março de 1967. A partida era válida pelo Terceiro Turno da competição e, infelizmente, devido ao tempo e às péssimas condições do gramado (uma hora antes do jogo caiu uma forte chuva), a partida não apresentou um bom desenvolvimento técnico. Houve, contudo, esforço, disputa e o quadro campeão conseguiu mostrar superioridade individual e tática.

Assim perfilaram as duas equipes: Moto Club – Vila Nova; Paulo, Almizar, Alvim da Guia e Corrêa; Ronaldo e Ananias; Zezico, Hamilton, Pelezinho e Nabor. Maranhão – Juraci; Zé Neguinho, Decadela e Carlinhos; Almir e Barrão; Waldecy, Toca, Mazola e Celho. Apesar de sofrer o primeiro gol, o Moto Club soube impor ao jogo o seu ritmo e acabou vencendo tranquilamente quando precisava apenas empatar para ser o campeão. Indubitavelmente o triunfo motense foi justo porque a equipe soube explorar as falhas do adversário, jogou mais certo, onde do seu meio de campo fez Almir e Barão, do MAC, desaparecer, com uma defesa firme e uma linha de ataque com infiltrações. O Maranhão, por seu uma equipe mais pesada, atuou mal, não repetindo as suas atuações anteriores, com Almir perdido em campo e Barrão sem o auxílio do companheiro. Zé Neguinho, pela lateral, perdeu a maioria do duelo com Nabor, deixando o ponteiro-esquerdo desmarcado. Numa das investidas, Nabor marcou o terceiro gol, que terminou com o ânimo dos maqueanos.

O Maranhão abriu o marcador aos 14 minutos, quando Coelho trabalhou bem pela ponta esquerda, fazendo o cruzamento. Alvim da Guia e Alzimar ficaram parados e Waldecy, que entrava pelo meio, chutou alto e no canto, sem qualquer chance de defesa para Vila Nova. O Moto, que vinha jogando melhor, não desanimou e minutos após Zezico concluiu um cruzamento da esquerda, empatando a partida. Aos 22 minutos o Moto volta ao ataque e Hamilton, chutando no canto esquerdo do gol de Juraci, virou o jogo. Com mais disposição para o segundo tempo, após a preleção do treinador José Assis, o Maranhão, com mais disposição e um novo sistema de jogo, brecava na meta de Vila Nova, mas o goleiro motense estava numa tarde feliz. Aos 27 minutos Pelezinho entrou com a bola pela ponta direita, passou por dois adversários e fez o lançamento rasteiro para Nabor, que acompanhava o lance e chutou forte, rasteiro, para vencer pela terceira vez o goleiro Valdeci; um gol que levou o Papão ao título de campeão estadual daquele ano e o colocou como o representante maranhense na Taça Brasil de 1967. Pelezinho foi o grande nome da partida: os três gols saíram dos seus pés e ele deu uma demonstração de que alcançaria a consagração como um verdadeiro craque. O veterano Ananias, que ainda jogava com muita disposição, conquistava o seu oitavo título de campeão pelo Moto Club. O velho Ananias, inclusive, cogitava deixar o futebol profissional logo após aquela conquista, mas pela sua indispensável experiência ao elenco, acabou adiando a aposentadoria e compôs o elenco do Papão nas disputas da Taça Brasil daquele ano. O centroavante Hamilton foi o artilheiro do campeonato maranhense, com 21 gols assinalados. O jogador ainda recebeu um troféu pela artilharia, ofertado pela “Casa Sports”, de São Paulo.  

O Moto Club foi um legítimo campeão – e com sobras. Quando um time consegue chegar ao final de um campeonato com o ataque mais positivo, a defesa menos vazada, o artilheiro e a maior soma de arrecadações, tudo isso indica perfeita regularidade que não foi quebrada mesmo tendo de realizar vários jogos sem alguns dos seus melhores jogadores. O Papão ainda contou nada menos do que sete atletas para a seleção do campeonato daquele ano, assim formado: Bacabal; Pompeu; Alvim da Guia, Alzimar e Corrêa; Ronaldo e Barrão; Zezico, Hamilton, Carlos Alberto e Coelho. Alzimar foi ainda eleito o craque revelação do campeonato, ao lado de Pompeu, do Sampaio Corrêa. Rinaldi Maia foi o melhor treinador de 1966. Quando tudo isso é obtido graças à qualidade individual do plantel, à disciplina de jogo e ao excelente preparo físico, pode afirmar-se que o titulo foi entregue em boas mãos.

Campeonato Maranhense 1966: 15.08.1966 – Moto Club 9x1 Vitória do Mar / 21.08.1966 - Moto Club 4x2 Ferroviário / 28.08.1966 - Moto Club 4x0 MAC / 10.09.1966 - Moto Club 4x1 Ícaro / 01.10.1966 - Moto Club 7x0 Nacional / 16.10.1966 - Moto Club 1x1 Sampaio Corrêa / 30.10.1966 – Ícaro 1x0 Moto Club / 12.11.1966 - Moto Club 10x0 Nacional / 27.11.1966 - Moto Club 4x1 Ferroviário / 08.12.1966 - Moto Club 5x0 Vitória do Mar / 11.12.1966 – MAC 3x2 Moto Club / 18.12.1966 - Moto Club 2x0 Sampaio Corrêa / 19.02.1967 – Sampaio Corrêa 0x0 Moto Club / 05.03.1967 - Moto Club 1x0 Ferroviário / 19.03.1967 - Moto Club 3x1 MAC

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