Texto extraído do livro "Salve, Salve, Meu Bode Gregório: a História do Maranhão Atlético Clube"
Após a reta final do Estadual de 1937 atravessar o ano seguinte, o time maqueano iniciou 1938 mantendo a equipe em atividade para o restante da competição. Após duas vitórias em jogos amistosos diante de Sampaio Corrêa e Automóvel, o clube testaria o seu plantel em mais uma partida preparatória. O curioso, porém, ficou por conta do adversário: “A directoria do Maranhão A. Club firmou contracto com o team de futebol do navio inglez ‘Scarboroug’, para a realização de um jogo [...] no campo da rua do Passeio”. Isso mesmo, um inusitado encontro entre maqueano e ingleses, configurando-se como o primeiro encontro internacional da história do Glorioso.
Tratava-se do Scarborough, um navio da classe Hastings da Marinha Real Britânica, cuja construção iniciou-se em 1929 nos estaleiros de Swan Hunter e Richard Wigham Ltda. Foi lançado ao mar pela primeira vez em 14 de Março de 1930 e comissionado em 31 de Julho do mesmo ano para serviço nas Índias Ocidentais. Em 1930 teve como capitão Agar Augustus, herói da Marinha Britânica na Primeira Guerra Mundial. Em 1931 fez parte do esquadrão da estação das ilhas de Bermudas, território britânico ultramarino. No período da partida contra o MAC, o Scarborough atuava como um iate no deslocamento de autoridades em visita a portos menores, como o de São Luís. Nestes tempos de paz, em que o navio cruzava os mares sem preocupações bélicas, o Scarborough foi pintado externamente de branco.
Esse não seria o primeiro encontro internacional nos gramados de São Luís. O próprio navio inglês aportara em nossa capital em épocas passadas. O Syrio Brasileiro, sabedor da passagem do time da corvela da Armada Real Britânica pela costa maranhense, convidou o Scarborough para um jogo amistoso, em Agosto de 1932, no Campo da Rua do Passeio. Aconteceram duas partidas no mesmo dia: Amapá S. Club 2 a 0 Scarborough, na preliminar, e Syrio 3 a 2 Scarborough, na partida principal. No dia seguinte, a revanche: Syrio 1 a 1 Scarborough na preliminar de Amapá S. Club 1 a 1 Scarborough. Em ambos os jogos nos dois dias, o Scarborough utilizou a sua primeira e segunda equipes. Dois anos depois, novamente um jogo e novamente contra os marujos ingleses: Syrio 5 a 1 Scarborough, dia 08 de Março de 1934.
O combinado de marujos era totalmente desconhecido pelos dirigentes atleticanos. A única informação que se valia naquele momento da crônica esportiva, dos torcedores e dos próprios dirigentes maqueanos era o histórico de confrontos entre as agremiações maranhenses e os clubes mambembes que aportavam em nossa capital e faziam exibições que simplesmente beiravam ao ridículo, quase verdadeiras atrações circenses. Justamente por esses motivos é que o público não acreditava muito nessa história de exibições miraculosas de marinheiros europeus; a impressão era que a vitória do MAC seria facílima. O Glorioso manteve toda a base que pouco tempo depois sagrar-se-ia campeã. Contudo, não se pôde, de antemão, fazer um juízo acertado sobre as possibilidades do Scarborough em nossa capital.
O jornalista Ribamar Bogéa, editor de O Globo e criador das denominações dos clássicos existentes entre motenses, maqueanos e bolivianos, já ressaltava nas páginas de uma das edições do jornal sobre as frustrantes passagens de equipes estrangeiras em nossa capital. Desde os primórdios do nosso futebol, apareceu um quadro inglês para jogar contra o F.A.C., campeão maranhense. A propaganda foi intensa. Anunciaram inclusive que os britânicos eram os mestres da esfera e que iriam virar o F.A.C. do avesso. Todos os jornais de São Luís falavam sobre a exibição dos visitantes, declarando que a mesma seria sensacional. No entanto, a derrocada dos ingleses foi estupenda. Sobre o resultado final do encontro, uma particularidade: Faltaram números para o marcador tal a mediocridade do time britânico.
Outro exemplo de fragilidade desses encontros também vinha do vizinho Pará. A imprensa de Belém, em 1944, fez grande propaganda de um quadro de marinheiros franceses que ia se exibir contra o Clube do Remo. Uma grande publicidade foi trabalhada no confronto entre o Leão paraense e os “famosos craques” da França, inclusive anunciando em rádios de Belém que integrava o XI francês elementos que haviam brilhado em Toulon, Marselha, etc. No dia do jogo, o público compareceu em massa ao campo do Estádio Baenão. Começou o jogo e o bailado azulino foi iniciado. Os franceses nem sabiam controlar a bola. A artilharia do Remo sempre trabalhando e o adversário francês numa atividade louca. “Quando faltavam ainda 10 minutos para terminar a luta, o juiz foi obrigado a dar pro finda a contenda pois não existia mais números no marcador para informar o público o resultado da contenda. 24 x 0 o escore!” (BOGÉA, 1947, p. 3). Todos ficaram decepcionados, chegando inclusive a tentar agredir os promotores do evento. Os marinheiros franceses como futebolistas eram ótimos sapateiros. Para que se diga da ignorância dos marujos da França, basta acentuar que eles não sabiam dar a saída.
O Scarborough era um navio de guerra da marinha da Inglaterra, que, durante passagem pelo nosso país, encostava-se aos portos ao longo da costa brasileira. Como um gesto de cordialidade e uma forma de manter um bom relacionamento por onde passava, promovia partidas de futebol contra o time interno da embarcação, formado por marujos e outros tripulantes de formação menor, a sua maioria sem nenhuma habilidade com a bola. E o Maranhão realmente pôde comprovar essa premissa. O encontro era aguardado com muita euforia pela torcida maranhense A imprensa local deu destaque a partida. Afinal, os marujos eram da terra dos inventores do futebol e supunha-se que pudessem fazer verdadeiras façanhas com a bola nos pés. Os marujos ingleses, segundo dizem, possuem um bom conjunto, relatava um jornal da época. Bom conjunto? Ledo engano.
Para a inédita partida amistosa, o Maranhão reservou seus cracks para esse embate, razão pela qual não enviou seu esquadrão principal, ao festival de domingo, conseio de sua responsabilidade, fez realizar [...] rigoroso treino-preparativo diante de enviar o seu time reserva para o amistoso contra o Tupan no dia 06 de Fevereiro de 1938, cinco dias antes do embate internacional. Às 21 horas do dia 10 de Fevereiro, véspera do amistoso diante do MAC, teve início no Casino Maranhense o baile oferecido à oficialidade do navio, comandado pelo capitão H. S. L. Nicolson. O sr. J. Clissod, que exercia as funções de vice-cônsul do Rei Jorge VI no Estado do Maranhão, visitou a redação do Diário do Norte, a fim de convidar o jornal a se representar na recepção do navio inglês. São Luís seria a primeira cidade brasileira a receber a visita do navio, que já havia aportado em nossa capital em 1932 e 1934.
O Scarborough aportou na Baía de São Marcos, procedente de Trinidade e Tobago, às 11 horas no dia seguinte. Houve recepção às autoridades, imprensa, colônia inglesa e à família maranhense. Às 16 horas, Maranhão e Scarborough adentraram ao campo da Rua do Passeio para o confronto. A diretoria atleticana ainda convidou para o embate o gerente do London Bank of South América, para dar o pontapé inicial da partida. O Glorioso formou com Amado; Orelha e Joamir; Pipira, Clarindo e Mozabá; Caboré, Elesbão, Cotia, Jaime e Diniz. No banco, o time atleticano contou ainda com Diquinho, Bilau, Newton, Roxo, Juracy e Manoel. Diante de um público apenas regular, o primeiro tempo terminou com o resultado de 2x1, favorável ao grêmio local. Na fase final da partida, o time visitante fracassou, conquistando o Maranhão mais cinco pontos. O embate finalizou com o score de 7x1, vencendo os locais.
Os marinheiros ingleses estavam visivelmente sem condições de jogo. Todos os prognósticos possíveis foram confirmados, pois os atletas do encouraçado Scarborough, como jogadores de futebol, não passavam de autênticos marinheiros. Sem exageros, o Maranhão poderia ter vencido por um placar gritantemente elástico, tamanho a mediocridade do adversário. Às primeiras horas do dia 12 o navio inglês prosseguiu viagem para o Rio de Janeiro, com parada em Maceió e na Bahia. Seria o início de uma série de desastrosos jogos amistosos que se iniciara em São Luís, diante do Maranhão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário