domingo, 27 de outubro de 2013

Futebol, uma paixão maranhense

Belíssimo texto publicado no Jornal Pequeno, de 23 de Setembro de 2012. Vale a pena ler.


O maranhense é um apaixonado por futebol. Poucos lugares no mundo, como aqui, mantêm uma relação tão passional com esse esporte que encanta multidões. Mesmo à margem do ranking nacional, esquecida em um ponto obscuro do mapa da bola, São Luís está entre as principais praças do país em recorde de público de estádio, só comparada aos palcos do Rio, São Paulo e Belo Horizonte.

Quem viveu o ciclo dourado dos times locais há de saber o quanto o futebol é entronizado na alma do maranhense. Trago, límpidas na memória, as primeiras imagens do meu encontro com esse reino mágico. Tinha entre 9 e 10 anos. Egresso do interior, passava férias na Rua da Cerâmica, no João Paulo. Nas tardes de domingo, driblava a vigilância de familiares, e, junto com outros garotos, percorria a pé o trajeto que conduzia ao Estádio Nhozinho Santos para, de um oitão que permitia ver apenas metade do campo, acompanhar os jogos do Moto Clube, meu time do coração.

Jamais esqueci aquele som das torcidas, parecido com o de chuva torrencial, a se projetar dentro e fora do estádio, como uma onda sonora avassaladora. E o que dizer da narração, pelo rádio AM, dos clássicos entre Moto, Sampaio e Maranhão? Um espetáculo que nos remetia não apenas para dentro do campo de jogo como também para além dele, alcançando um ambiente mágico, onde tudo eram festa, emoção, fascínio e encantamento.

Quando me formei jornalista e fui trabalhar nas redações de jornal, foi o futebol que abracei como área de lazer. No Jornal de Hoje escrevia, por vontade própria, uma crônica diária, na coluna intitulada “Nonato Reis comenta”. Não perdia os jogos, mesmo aqueles realizados no meio da semana. Às vezes ia para a arquibancada e ali ficava anônimo, observando a mecânica dos jogos e a reação das torcidas. Outras vezes, descia à beira do gramado, para ficar mais próximo dos jogadores e acompanhar de perto os lances geniais e de maior plasticidade. Ali me juntava a Albino Soeiro, Geraldo Castro, Anacleto Araújo, Ligeirinho. Trocava figurinhas com Herberth Fontenele, Gilson Rodrigues, Laércio Costa, Tércio Dominici, Jairo Rodrigues, Neris Pinto.

Difícil esquecer times que marcaram época e jogadores que por eles se imortalizaram. Como o Sampaio de Djalma Campos, o melhor jogador tricolor de todos os tempos, e também de Neguinho, naquela memorável decisão do Brasileirinho, em 1972, equivalente hoje à série B do certame nacional; o Moto de Edmilson Leite, Ronaldo, Faísca, Juari e do artilheiro Paulo César, que no Nhozinho Santos quebrou a série invicta do goleiro Mazoroppi, do Vasco da Gama; ou ainda o Maranhão Atlético, de Croinha, Hamilton, Bacabal e Dario, genial ponta-esquerda que, vestindo a camisa do Moto, deu um show no Brasileiro de 1973 em cima do lateral-direito Nelinho, do Cruzeiro e também da Seleção Brasileira.

O futebol maranhense tem uma história iluminada. Seu passado cabe num belíssimo livro ainda não escrito fisicamente, mas presente na memória de quantos testemunharam os seus dias de glória. Os números estão aí como a provar esta assertiva. Nenhuma outra praça esportiva do país, guardando-se as devidas proporções do Maracanã, Mineirão e Morumbi, registra recordes de público tão majestoso. Nos anos 70, no velho Nhozinho Santos, era comum o superclássico Moto x Sampaio ser assistido por mais de 20 mil torcedores.

Depois veio a era do Castelão e a estatística apenas cresceu. Não raro o duelo dos maiores rivais levava público superior a 30 mil torcedores. A decisão da série C entre Sampaio e Francana, em 1997, foi assistida por quase 70 mil pessoas. Que outra praça, mesmo da série A, repetiria tal façanha? Feito maior aconteceu no dia 24 de setembro de 1998, quando 100 mil pessoas viram o jogo Sampaio x Santos, pela Commebol. Isso em plena segunda-feira, e um dia após a Seleção Brasileira ter enfrentado no mesmo campo a Iugoslávia, diante de 95 mil torcedores.

Não fosse a mentalidade primitiva daqueles que comandaram os órgãos diretivos ao longo dos anos, o futebol maranhense estaria em outro patamar. Infelizmente, os clubes e a federação foram entregues a pessoas erradas. Como um vírus que vai minando o organismo até a sua completa inanição, empurraram o futebol para o vazio absoluto, a ponto de hoje disputarmos a série D da competição nacional, e do Moto se encontrar na segunda divisão local.

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